sábado, 1 de junho de 2013

Agradecimentos

Agradeço aos leitores as pessoas que me seguem, pelas visitas. O Lúpus às vezes me impede de estar mais presente (seja por impedimento físico ou psicológico), mas estou sempre visitando o Blog com muito carinho. Obrigado a todos ebeijos no coração.

Em Caráter Experimental

Não entendo por que no Brasil todas as iniciativas vinculadas ao esporte e relacionadas à educação, são feita apenas em caráter experimental! Nas Olimpíadas de 1980, quando a União Soviética demonstrou sua supremacia perante o mundo, a imprensa alardeava a formação inicial dos atletas que desde a primeira infância eram treinados em escolas com suporte para as atividades esportivas. Tanto foi falado, que eu pensei com os meus botões! “Bingo! Agora que eles já sabem que o incentivo ao esporte melhora o desempenho dos estudantes inclusive no esporte, O Brasil vai seguir o exemplo e conseguir daqui prá frente, melhorar a educação e quem sabe assim, poderemos chegar a ser um país de primeiro mundo?”
Entretanto, 30 anos depois ainda estamos fazendo tudo em caráter experimental! Algumas escolas em algum lugar específico, inicia um projeto para incluir estudantes em práticas esportivas e como sempre o resultado é positivo, a mídia dá visibilidade ao “projeto” falando dos benefícios e da melhora na concentração dos alunos etc. e tal!
Assisto a reportagens desse tipo desde 1.900 e bolinhas e continuamos na mesma! O Governo sempre se omitindo e escapando pela tangente, dando aos estudantes brasileiros escolas falidas, sem infraestrutura onde o “ensino” é mínimo e a qualidade é péssima!
Quando a telinha mostra os resultados positivos de alguns desses projetos, como se tivessem descobrindo a pólvora, eu me pergunto: “Por que ações desse tipo ainda não fazem parte da metodologia escolar? Por que as creches e escolas públicas não são construídas com ginásios esportivos para que a criança aprenda desde os primeiros anos a se educar de verdade? O retorno seria positivo e provavelmente o os adolescentes infratores cairiam de número!
Não aguento mais esses discursos hipócritas e descabidos sobre soluções mágicas desprovidas de contexto e distante da realidade do jovem da periferia que vive e sobrevive sem ter direito a uma educação de verdade, sendo soterrado de “informações rapianas” onde os males da vida são exacerbados e trazidos à tona em todos os momentos da sua vida, inclusive na escola!
O problema que ele vivencia em casa o acompanha no mp3, no celular, no youtube, e até nos trabalhos escolares! Isso porque o tempo lhe permite. Se ao invés disso, o governo lhe desse desde cedo a oportunidade de se especializar em alguma área específica incluindo o esporte, com certeza a vida desse adolescente da periferia seria bem mais proveitosa! Mas fazer o que se ainda estamos fazendo as coisas em caráter experimental? Precisaremos esperar mais trinta anos?

 Acorda Brasil! Vamos lutar por escolas de qualidade para os nossos filhos! Isso não é pedir demais! É o mínimo que merecemos!

sábado, 14 de maio de 2011

A Morte Forçada de Liana


A primeira vez que Liana sentiu vontade de morrer, foi aos quinze anos. A mãe havia saído e quando isso acontecia ela aproveitava para ouvir os seus discos de “rock and roll”. A vitrola ligada no último volume e ela dançando sem parar se imaginando numa pista de dança ou num palco. Outras vezes era a música italiana que lhe fazia feliz. Liana adorava cantar e conseguia imitar a cantora Rita Pavone com perfeição. Dançando e cantando, cantando e dançando. Nesse dia tudo era alegria, mas de repente Liana sentiu um enorme vazio no coração. Parou imediatamente de dançar e olhou em volta. Estava sozinha e nada havia acontecido para que aquela sensação de angústia se apoderasse do seu peito. Liana sentiu a cabeça rodar e sentou-se no sofá. Colocou as mãos no rosto e começou a chorar. O som continuou rolando enquanto Liana chorava. Seus soluços eram fortes e ressentidos. Uma voz que ela não sabia de onde vinha teimava em lhe perguntar:
— Você é feliz? Isso é felicidade?Responda! Você está tentando enganar a quem?
Parecia que todas as dores e tristezas do mundo haviam desabado sobre os seus ombros. E alguma coisa, (talvez fosse a mesma voz que ela não sabia de onde vinha) lhe dizia:
— Por que você não morre e acaba logo com isso?
Liana continuou chorando por um bom tempo. Sabia que podia dar vazão a sua dor, pois estava sozinha em casa e nunca apalavra “sozinha” foi tão literalmente significativa como naquele dia.
Aos pouco, Liana parou de chorar. Estava confusa e imensamente triste. Desligou a vitrola, guardou os discos e ficou pensando no incidente.
Depois, vieram outros episódios parecidos, onde Liana repentinamente penetrava num mundo sombrio onde a morte estava sempre a lhe acenar.
Aos quinze anos Liana descobriu que tinha motivos de sobra para se sentir infeliz.
A mãe a rejeitara desde que nascera e aos cinco anos a abandonara. Aos nove anos foi afastada do pai, não tinha irmãos e sofria toda a sorte de discriminação por ser negra. Para completar o quadro negro de infelicidades que pintava, era uma menina de saúde e personalidade fracas e com isso atraía toda a sorte de fracassos e dificuldades para a sua vida.
As pessoas não percebiam e confundiam a sua falta de motivação e sua tristeza com “bons modos” e “recato”.
Liana ia completar dezoito com um peso maior na bagagem. Estupro, espancamento e uma gravidez acidental e indesejada. Ouvir música tinha ficado para trás. Liana sofria em silêncio e se desesperava com os problemas. Uma dor muito forte e real lhe fazia chorar amargamente. Não queria dar a mãe o desgosto de lhe ver grávida. Não queria dar à luz àquela criança indesejada e sem futuro. Liana se convenceu que naquela situação só a morte poderia lhe ajudar. E começou imaginar uma maneira de cometer o suicídio sem deixar pistas. Achava que uma morte acidental ou que parecesse natural, traria menos sofrimento para a sua mãe. Liana ainda não sabia que dor de mãe não tem tamanho. E liana esperou.
Aproveitou um dia em que a mãe saiu e deu início ao seu plano.
Trancou as portas e fechou as janelas. Pegou uma de suas revistas e foi até a cozinha. Primeiro Liana abriu a torneira do gás e todas as bocas do mesmo. Puxou uma cadeira e sentou-se na frente do fogão. Colocou a revista em cima do mesmo e se posicionou como se estivesse lendo. O cheiro de gás era forte e Liana o inalou com força. Queria ajudar a sorte. As lágrimas desciam pelo seu rosto e as lembranças de todos os maus momentos vividos lhe faziam companhia. Sentindo uma profunda compaixão por si mesma, Liana abaixou a cabeça e se apoiou nos antebraços. Soluçando ela pedia perdão a mãe. Não deixou nenhum bilhete ou carta falando sobre o seu gesto. Queria que a mãe quando a encontrasse pensasse que tudo havia sido um acidente.
O tempo foi passando e de repente as lembranças de Liana se tornaram confusas. Seu pensamento ia rapidamente de cenas acontecidas nos seus primeiros anos de vida até o presente momento. Ouvia a voz da mãe lhe repreendendo por não ter lavado os pratos.também sentia o abraço do pai antes de levá-la para a cama aos três anos de idade. Foi aí que Liana se deu conta do perigo! Estava indo embora e pensou em voltar. Mas era tarde mais. Seu corpo estava entorpecido e nenhum dos membros lhe obedecia mais. Lembrou do filho que carregava no ventre e se desesperou. Pediu perdão a Deus e a todos os santos que conhecia. Pedia ajuda e fazia promessas. Se voltasse (pela misericórdia deles) nunca mais tentaria contra a vida! Mas era tarde demais! Nada nem ninguém poderia ajudá-la. Enfim, a morte que ela tanto queria havia chegado. Num relance tudo se apagou.
A mãe de Liana encontrou o corpo da filha e quase morreu. Sua filha era tudo que tinha nesse mundo. Como sobreviveria sem ela? Os gritos da mãe de Liana encheram a casa e se espalharam até a vizinhança. E o que ela mais repetia era:
—Por quê?
Ninguém acreditou em acidente. A farsa de Liana não convenceu. Alguns vizinhos sabiam (ou desconfiavam) da sua gravidez.
Com o tempo tudo foi se esclarecendo, mas para a mãe de Liana além da saudade ficou a tristeza.  Se sentia culpada pelo gesto da filha.  E pensava:
—Se eu tivesse sido mais amiga, mais presente, mais carinhosa com a minha filha, talvez nada disso tivesse acontecido.
Infelizmente as coisas não aconteceram como Liana queria e tudo o que ela conseguiu foi acabar com a própria vida e com as vidas de pessoas inocentes como era o caso do seu filho e de sua mãe! 

terça-feira, 12 de abril de 2011

O Menino Malvado


Leonardo era um menino diferente dos outros. Tinha um comportamento exemplar. Na escola era muito bem quisto pelos professores e suas notas eram excelentes. Era incapaz de participar de brincadeiras violentas. Falava pouco e nunca dizia palavrões. Estava  com nove anos e era adiantado para a sua idade. Na igreja que freqüentava na companhia de sua mãe era o menino mais elogiado de todos. Apesar disso tudo Leonardo não tinha um bom relacionamento com as outras crianças de sua idade. Não se misturava com nenhuma delas. Estava sempre só ou acompanhado da mãe. Quando o tempo estava bom ele gostava de ficar em cima da laje com um livro evangélico e um caderno onde vez por outra fazia alguma anotação. Era bastante estudioso e isso talvez fosse o motivo do seu isolamento. As crianças não gostavam muito dele, porém aos adultos parecia que isso se devia ao fato de sentirem ciúmes ou inveja de sua sabedoria.
David, um menino que morava numa rua paralela a sua, costumava também subir na laje, porém por outro motivo. David gostava de soltar pipas e em cima da laje era mais excitante. Mesmo sem o consentimento da mãe, David continuava a praticar o seu esporte favorito naquele lugar perigoso. Vez por outra observava Leonardo sentado ao lado da caixa-d’água (que o protegia do sol) escrevendo por tardes inteiras e ficava curioso. O que será que Leonardo tanto tinha para escrever? Um dia, David percebeu que Leonardo havia descido e esquecido o caderno que tanto lhe causava curiosidade. Desceu rapidamente da laje, subiu no muro e procurando se equilibrar o mais que podia,  pulou para o quintal de Leonardo. Sorrateiramente subiu até a laje e pegou o caderno. Desceu rapidamente e do mesmo modo que havia feito para chegar até lá, seguiu em direção a sua casa.  Foi direto para o seu quarto e colocou o caderno em baixo do colchão. Bebeu um pouco de água para se acalmar e subiu novamente na laje. Enquanto dava linha em sua pipa viu Leonardo que procurava o caderno de um lado para o outro. Abaixava, levantava e algumas vezes chegou a olhar com certa desconfiança em direção de David. Esse por sua vez, fingia estar entretido com a pipa e não notar o que se passava na laje de Leonardo. Por fim cansado de procurar pelo caderno, Leonardo desceu.  David continuou na laje por mais um tempo e só desceu quando sua mãe o chamou para o banho. Depois do banho David foi para o quarto com a desculpa de que tinha dever de casa para fazer. A mãe desconfiou, mas aceitou. David se preocupar em fazer o dever da escola sem ser preciso ela mandar era uma grande novidade. David pegou o caderno e assim que começou a ler o que estava escrito se assustou. Achou que não estava entendendo muito bem as coisas que ali estavam escritas. As anotações tinham marcações datadas (dia, mês e ano) e falavam, ou melhor narravam uma gama de más ações cometidas por Leonardo e que causariam espanto em qualquer pessoa que as lesse. Para piorar, as narrativas eram repletas de palavrões e desenhos obscenos onde a figuras celestiais ganhavam chifres e rabos e se tornavam demônios. Anjos demoníacos, Jesus efeminado e cruzes de formatos estranhos assustavam David que ainda era criança (estava com doze anos) e não tinha uma percepção muito aguçada.  Devido a isso David precisava ler várias vezes certos trechos, para que entender o seu verdadeiro significado. Depois de um tempo, David percebeu que tinha em mãos um verdadeiro tesouro. Através daquele caderno Leonardo o menino “bonzinho” da turma poderia ser desmascarado. Estava tão entretido na leitura que não percebeu a entrada de sua mãe e quase desmaiou tamanho foi o susto que levou ao ouvir sua voz.
Sua mãe ao vê-lo com o caderno fez questão de saber o que havia ali de tão interessante e ficou muito surpresa com tudo o que leu. As narrativas de Leonardo eram minuciosas e se referiam a fatos reais acontecidos na comunidade. Eram fatos graves e alguns até de grande relevância já que trouxeram danos a suas vítimas. Coisas como a queda de uma menina da escada da escola. A menina havia se machucado bastante e ainda hoje estava sem poder assistir as aulas devido a pancada que levou na cabeça. Ali Leonardo se dizia autor da façanha e contava tudo. Viu quando a menina passou em frente a sua sala na direção do banheiro das meninas e imediatamente pediu licença a professora para ir ao bebedouro.  A professora consentiu e ele rapidamente se aproveitando que o corredor estava vazio colocou o pé na frente da menina para que ela caísse.
A mãe de David se lembrou que a menina insistiu em acusar Leonardo, porém ninguém acreditou nela, afinal Leonardo havia saído da sala “apenas para ir ao bebedouro” e voltara antes que os gritos da menina fossem ouvidos. Leonardo também se gabava de ter produzido o curto-circuito que queimara vários instrumentos na igreja e quase resultara num incêndio de graves proporções. Sem que ninguém percebesse ele havia entrado na sala onde os instrumentos estavam, desligara a chave e trocara várias pernas dos fios. Quando os jovens que faziam parte da banda chegaram para o ensaio e ligaram a chave geral da sala aconteceu o curto-circuito. Também a gata da dona Cleyde, que aparecera morta tinha sido obra dele. Comprara chumbinho num camelô e com muito cuidado jogara um pedaço de carne impregnada de veneno para o animal. Foi ele também quem quebrara a cabeça do menino mudo da outra rua com uma pedrada certeira. A mãe de David também se lembrava do incidente e de como a mãe do menino viera até a casa de Leonardo para se queixar e de como a mãe dele e até mesmo os vizinhos não acreditaram nela.  Daí a fora muitas e muitas ações em que o autor não havia sido descoberto, eram sim, obras de Leonardo. E ele fazia questão de relatar os fatos com todas as artimanhas que havia usado para se camuflar e se proteger. Havia ainda os casos em que ele ofendia, xingava e até batia nas crianças e se saía ileso se fingindo de inocente graças a sua reputação de menino exemplar.  Corroborando tudo isso havia os desenhos pornográficos onde imagens celestiais e demoníacas representavam membros da igreja.
A mãe de David (depois de pensar um pouco) resolveu que levaria o caso ao conhecimento da Associação de Moradores para que fosse avaliado. Não era justo que as crianças do lugar, vítimas de Leonardo passassem por mentirosas. Assim pensou e assim o fez.
O presidente da AM se encarregou do resto. Levou o caderno até o Pastor da Igreja que a mãe de Leonardo freqüentava pedindo que ele tomasse alguma providência. As mães das crianças da localidade exigiam uma retratação por parte de sua genitora. Quando a mãe de Leonardo soube de tudo o que o seu filho andava aprontando teve uma crise de hipertensão. Era separada do marido e cuidava sozinha de Leonardo sempre pensando que ele acatava os seus ensinamentos. Leonardo foi terminantemente proibido de sair de casa e o seu pai foi avisado do que estava acontecendo. Aliás, a mãe acusava o pai pelo comportamento estranho do filho.

O pai de Leonardo há muito tempo não aparecia. Se sentia triste e desmotivado. Tinha um filho que era quase um gênio e não tinha como corresponder ajudando nos estudos do menino. Sempre que aparecia era bombardeado com as boas notas no boletim e os planos da mãe para que o menino estudasse num colégio melhor. Assim que chegou estranhou, pois além da ex-esposa estavam presente o Pastor da Igreja e uma das professoras. Com muito tato lhe mostraram as anotações do menino e ele então ficou sabendo do comportamento real do seu filho. Pela primeira vez o pai de Leonardo se sentiu aliviado. Olhava para Leonardo como se o estivesse vendo pela primeira vez. E refletia: durante tanto tempo ele julgara estar diante de um gênio e no entanto ali estava o seu filho. Igualzinho a ele. Sem mais e sem menos. O mesmo instinto malvado que ele tinha na infância e que fizera com que fosse tão severamente castigado por seu pai. O seu filho era mais sutil é verdade. Havia descoberto uma maneira de enganar as pessoas e por isso não recebia castigo nenhum. Sim. Isso era coisa de gênio. Mas agora as coisas iam mudar. Sem deixar que percebessem as suas verdadeiras intenções, se levantou e agradeceu a todos pela notificação. Assim que o Pastor e a professora saíram ele disse a ex-esposa:
—Olha, eu sei que isso tudo é demais para o menino e queria que você deixasse ele passar uma semana comigo. Ele está crescendo e a gente precisa se conhecer um pouco mais.
A mãe, pensando no bem do menino resolveu concordar. Seria bom ele se afastar um pouco da comunidade. Desde que o seu caderno viera à tona, a sua imagem ficara um tanto manchada. É. Seria bom para ele ficar uns dias com o pai.

Leonardo arrumou suas roupas, colocou na mochila e se despediu da mãe. De mãos dadas com pai seguiu em direção ao ponto de ônibus. Nem por um momento passou pela sua cabeça que estava sendo levado para uma verdadeira “clinica de recuperação”. Seu pai conhecia métodos tão eficazes de tortura que seriam capazes de fazer uma verdadeira modificação no seu comportamento. Seus métodos eram bem parecidos com os de Leonardo e isso era o que mais lhe instigava. Tinha absoluta certeza de que quando Leonardo voltasse, seria o menino bonzinho que tanto lutara para parecer.
Uma semana depois ao voltar para casa Leonardo aparentava ser o menino de sempre. Falava pouco, não se misturava com as outras crianças e por mais que sua mãe indagasse não contava nada do que havia acontecido nos dias em que ficara na companhia do pai.
A mãe desconfiou que algo não ia bem, mas não teve como provar nada.

Algumas pessoas notaram o olhar diferente de Leonardo que ao passar por elas procurava sempre abaixar a cabeça. As outras crianças já podiam brincar e passar perto dele sem medo, pois ele nem sequer as notava. Mas o que ninguém percebeu é que Leonardo estava se tornando um menino autista. Aos pouco estava perdendo a capacidade de se sociabilizar com o mundo exterior.
Seu pai continuava a levá-lo para passar dias em sua companhia e agora sim, se orgulhava de verdade do comportamento do filho.
Seu baixo rendimento escolar, e sua deficiência só foram notados muito tempo depois.
Mas, quem iria reclamar disso, se a paz reinava naquele lugar?

domingo, 13 de março de 2011

Feliz Dia Internacional da Mulher (Atrasado)

















Olá amigos. Tenho tido problemas com a Internet e por isso desapareci... Ler meus e-mails, postar um artigo, colocar uma fotografia ou imagem qualquer no Blog ou no Orkut se tornou uma missão quase impossível para mim. Culpa da má distribuição da tecnologia no nosso país que exclui da Internet banda larga todos os que residem na periferia ou (pior ainda) um pouco mais além, como é o meu caso. Aqui só chega Internet discada (a Oi que me perdoe, mas essa é um a bomba), a Via Rádio ou a Velox Pirata e essas duas estão além das minhas pequenas posses. Sendo assim optei por um sistema de antena ( que recebe o sinal da casa de outra pessoa) que é mais barata, mas (como a procura foi grande) a coisa está se tornando quase inviável. Liguei para a Oi e a moça me informou que aqui onde eu moro - bairro Santa Cruz, Zona Oeste do Rio de Janeiro - ainda não há suporte para instalar Velox!!! Sendo assim, só me resta pedir desculpas pelo meu sumiço e esperar que as coisas melhorem.
Agradeço a compreensão de todos que me acompanham. Beijos e boa sorte.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Aonde Foi Parar a Razão



Depois de pesquisar na Internet, e em outros tipos de mídias

Notícias daqui e do mundo,

Depois de ver e ouvir toda a sorte de vídeos,

Mcs diversos propagando o terror

(ou simplesmente aquilo que chamo de horror)

Em letras musicadas e inexplicavelmente acessíveis

Dirigida quase sempre aos nossos “novinhos” – filhos(as) e netos(as) –

Depois de ver e ouvir o que sofrem as minorias

(pobres, mulheres, negros, grupos de GLS, índios,velhos e nordestinos)

E o total desrespeito e desumanidade com que tratam os animais

Me pergunto: Aonde foi parar a razão?


Trocou-se a velha moral pela imoralidade pertinente e impertinente

Trocou-se as boas maneiras pela má educação

Trocou-se o cavalheirismo pela falta de consideração e comiseração

Trocou-se a gratidão pela ingratidão

Trocou-se inocência das crianças pela sexualidade precoce

Trocou-se a decência pela indecência explícita

Trocou-se a honestidade pela desonestidade e pela corrupção

Trocou-se a sinceridade pela falsidade

Trocou-se a verdade pela mentira

Trocou-se o amor fraternal pelo antagonismo e desconfiança

Trocou-se o amor filial pelo desamor e pela ganância

Trocou-se o amor conjugal por desamor e traição

Trocou-se os bons costumes pelos maus hábitos

Trocou-se o respeito aos mais velhos pelo desrespeito e falta de consideração

Trocou-se o respeito às crianças pelo desrespeito e pelo abuso

Trocou-se o respeito às mulheres pelo desrespeito e pela agressão

Trocou-se o respeito ao ser humano em geral por desrespeito, indiferença e maldade



O mundo (o nosso mundo) perdeu a razão

E perdendo a razão está perdendo também a sanidade.

Será que ainda existe uma luz no fim do túnel?

Aqueles que acreditam busquem e sigam essa luz,

Pois sem iluminação já, total e irrestrita, entraremos em colapso

E da mesma maneira que uma estrela ao morrer e perde o seu brilho

E deixa de iluminar o céu, deixaremos a nossa aura clara para trás

E afundaremos na escuridão total.



quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Vidas em Tempo de Guerra


A pequena estação de trem estava superlotada. O cenário era caótico. Pessoas se aglomeravam e se espremiam carregando dentro de malas ou em trouxas os poucos pertences que conseguiam carregar enquanto aguardavam a chegada do trem que nos levaria para outra cidade.

A guerra havia chegado e havia em todos os rostos um que de preocupação.

Soldados fardados por todos os lados conferiam documentos e intimidavam as pessoas com o olhar.

A perseguição aos judeus era ferrenha e nesse clima de insegurança, partir era o melhor a fazer.

Eu estava ao lado da minha filha mais velha que tinha acabado de completar dez anos de idade. Era uma menina calada e reservada. Meu marido um pouco afastado de nós segurava pelas mãos os nossos gêmeos de cinco anos. Os meninos usavam calça curta de veludo marinho com suspensórios de couro, camisas brancas, de pala rendada e boinas também marinho. Olheio-os com orgulho. Eram crianças lindas e bem cuidadas. Meu marido usava uma jaqueta de couro e uma boina xadrez. Olhei para ele de soslaio quando vi que o trem se aproximava.

Meu coração estava aos pulos. Até agora tudo estava dando certo, mas a incerteza e a insegurança bailavam nem minha mente. Ele acreditava que se a nossa viagem desse certo, poderíamos recomeçar a vida em outro lugar.

O trem parou e as pessoas começaram a entrar no mesmo. Todas pareciam ter pressa e isso dificultava um pouco a subida dos passageiros. Busquei os olhos do meu marido. Precisava da sua ajuda, mas ele insistia em ficar separado de nós duas. Estava com muito medo e as pernas fraquejavam. Ele percebeu a minha hesitação e fez um sinal discreto para que eu entrasse no trem. Entendi e obedeci ao seu comando. Ainda arrisquei um novo olhar, mas com a aglomeração que se formou perdi meu marido e os meninos de vista.

Tomei coragem, agarrei com força a mão da minha filha e assim que apareceu uma brecha entramos no trem. Os bancos estavam quase todos ocupados. Avistei um banco vazio e empurrei minha filha até lá. Sentamos e ficamos aguardando por ele. O banco onde estávamos sentadas ficava de costas para a porta de entrada e eu tinha que me virar de vez em quando para ver se ele já estava vindo. O vagão foi ficando lotado. Muitas pessoas estavam em pé e eu estava com medo que retirassem a minha filha do banco para dar lugar à outra pessoa. Eu era uma mulher medrosa e se isso acontecesse eu não saberia dizer não.

O trem apitou e percebi que estava prestes a sair da estação. Meu coração se apertou. Onde estava o meu marido com os meninos? Por que demorava tanto em aparecer? Minha filha me olhou e no seu olhar vi que também estava apreensiva com a demora do pai. Olhei mais uma vez para trás e enfim, reconheci a boina do meu marido enquanto ele passava por entre as pessoas. Ele procurava por nós, olhando de banco em banco. Acenei com a mão e ele me viu. Sorri para ma minha filha e esperei. Nisso ele chegou. Se postou ao nosso lado, ou melhor, à nossa frente e eu senti um baque forte no coração. Ele estava sozinho! Os meninos, os meus gêmeos não estavam com ele. Minha filha me olhou espantada. O seu olhar de indagação se cruzou com o meu e eu me senti desfalecer. Ele me olhava com seu olhar frio e implacável. Fiz menção de me levantar, mas ele com firmeza pôs o braço em meu ombro e me obrigou a continuar sentada, enquanto permanecia de pé aparentando total indiferença a minha reação. Minha filha se apoiou no meu ombro.

O trem começou se movimentar e mais uma vez olhei para ele suplicante. O olhar que me devolveu era gelado e eu não consegui esboçar nenhuma reação. Desde o nosso casamento, era ele quem dava as ordens. O seu modo rude e violento haviam me tornado escrava da sua vontade. Estava acostumada a obedecer cegamente àquele homem que um dia havia me escolhido como esposa. Ao seu lado minha vida era um eterno penar. Jamais me atreveria a discutir ou a contrariar aquele que era o pai dos meus filhos. Os poucos momentos felizes que tinha era através do amor incondicional que sentia pelos meus filhos. Ser separada de dois deles seria a morte para mim. Estava ciente de que não poderia fazer cena ou drama, pois corríamos o risco de sermos descobertos. Então, abaixei a vista e puxei o ar para respirar. Meu coração se apertava e eu me desfazia em lágrimas invisíveis. Abracei minha filha e percebi que ela sentia o mesmo que eu, mas ela também não chorou.

Fizemos toda a viagem abraçadas, cabisbaixas e em silêncio. Eu não tinha outra alternativa senão continuar calada. Engoli as lágrimas que teimavam em sair dos meus olhos e permaneci em silêncio. Evitava olhar para o meu marido, pois naquele momento a minha vontade seria estrangulá-lo. A dor que estava sentindo me dava forças e eu sentia a fúria me dominando. Senti vontade de gritar para que todos pudessem ouvir:

—Ouçam todos vocês! Nós somos judeus! Estamos fugindo e passando por alemães!

Seria aminha forma de castigá-lo, embora também estivesse me castigando. Mas não podia fazer isso. Precisava pensar na menina. Ela não tinha culpa do que estava acontecendo, era uma vítima como eu e merecia uma chance.

A dor que sentia era tão grande que eu pensei que fosse morrer ali, naquele momento.

Descemos numa estação que parecia ser menos povoada que o lugar de onde vínhamos. Ali também havia alguns guardas armados, mas não nos importunaram. Saímos da estação e seguimos por uma estrada de barro. Ao lado havia um terreno cercado onde havia uma plantação de beterrabas. Caminhávamos em silêncio. O meu coração estava apertado. O nó na garganta fazia com que minha respiração continuasse difícil. O coração estava terrivelmente apertado.

Minha filha até ali não dissera uma palavra. Andava ao meu lado com os olhos fitos no chão. Eu estava cansada e ao mesmo tempo arrasada. Me sentia inútil como mãe e como mulher. Que espécie de mãe era eu? Que poderia oferecer àquela menina que caminhava ao meu lado, se não conseguia defender nem mesmo a mim? Num certo ponto da estrada meu marido parou. Usando uma das malas como assento retirou de dentro do casaco um pacote de fumo e um cachimbo que depois de acender se pôs a fumar.

Depois das primeiras baforadas abriu o fecho do casaco e retirou de dentro do mesmo umas peças de metal que ao se encaixarem formavam uma espécie de espingarda que escondeu entre os nossos pertences.

Só então pareceu reparar em nós e falou sobre os meninos. Com a frieza que lhe era peculiar, pediu para que eu entendesse os seus motivos. As crianças ao nosso lado só iriam atrapalhar! Agora estavam seguras e em boas mãos. Haviam sido entregues a um casal alemão que não possuía filhos. Certamente seriam criados como alemães e não teriam que se esconder como nós. Apertei minha filha contra o meu peito e choramos as duas. Ele continuou a fumar o seu cachimbo e assim que terminou continuamos a caminhada. Algum tempo depois, chegamos a um pequeno armazém. Meu marido se adiantou e foi falar com o homem que parecia ser o dono do lugar enquanto eu e a menina esperávamos do lado de fora. Ouvi quando o homem gritou:

—Saiam já daqui seus judeus ordinários! Não quero complicações com a polícia! Se pensam que vão me enganar se deram mal. Não quero em minhas terras cães sarnentos por perto. Então retirou de baixo do balcão, uma arma e ameaçou atirar no meu marido ali mesmo. Meu marido veio ao meu encontro e apressados nos afastamos.

Ele estava visivelmente transtornado com a acolhida daquele homem. Cabisbaixo e carrancudo ele nos conduzia por aquela estrada sem destino aparente. A incerteza, a insegurança e a nossa vulnerabilidade estavam ali à nossa frente. Éramos foragidos e mais cedo ou mais tarde nos encontrariam. Olhei em volta em busca de algum lugar onde pudéssemos nos esconder no caso de o homem nos perseguir. Avistei um galpão e nos encaminhamos para lá apressadamente.

O galpão estava vazio e entramos sem dificuldades. Forrei alguns panos para nos servirem de cama e nos deitamos. Enquanto ele e menina ressonavam eu amargava a dor da perda dos meus dois filhos. Abraçada ao pano que me servia de travesseiro derramei em silêncio todas as lágrimas que trazia comigo. O dia nos encontrou exaustos famintos e temerosos. No olhar do meu marido a arrogância estava se desvanecendo. Seu semblante abatido me dava a certeza de que a nossa fuga havia fracassado e que em breve seríamos presos e teríamos que cumprir o nosso destino.

Procurei me enfeitar. Penteei e prendi os cabelos. Precisava estar bonita para enfrentar o que estava vindo. Ajeitei também os cabelos da minha filha. Ela também precisava estar bonita, afinal éramos mulheres e mulheres são as flores do mundo! Pelo menos era isso que o meu falecido sempre dizia.

Meu marido não percebeu o brilho dos meus olhos nem o sorriso nos meus lábios. Estava entretido fumando o seu cachimbo e não olhava para nós duas. Sabia que estavam à nossa procura e logo nos encontrariam.

Foi então que ouvi os latidos dos cães. Olhei mais uma vez para minha filha e sorri. Queria que ela se lembrasse desse momento com alegria e ofertava a ela o pouco de felicidade que ainda existia em mim. Os latidos dos cães ficavam cada vez mais próximos e a nossa prisão era apenas uma questão de tempo.

Sentamos, nos demos as mãos e ficamos ali abraçadas.

Meu marido já não fazia parte do nosso mundo. Ele agora era apenas uma sombra encurvada e sem expressão.

Enquanto os cães se aproximavam eu sorria e olhava nos olhos da minha filha. Em minha mente apenas uma certeza: Em breve eu deixaria este mundo e fosse qual fosse a maneira pela qual eu iria morrer, eu estava feliz. Minha vida (enfim) chegaria ao fim!

Os soldados chegaram e nos encontraram assim. Bonitas, felizes, seguras e sorridentes.

domingo, 26 de dezembro de 2010


Ano Novo!



Dentro de alguns dias, um Ano Novo vai chegar a esta estação.


Se não puder ser o maquinista, seja o seu mais divertido passageiro.


Procure um lugar próximo à janela desfrute cada uma das paisagens que o tempo lhe oferecer, com o prazer de quem realiza a primeira viagem.


Não se assuste com os abismos, nem com as curvas que não lhe deixam ver os caminhos que estão por vir.

Procure curtir a viagem da vida, observando cada arbusto, cada riacho, beirais de estrada e tons mutantes de paisagem.


Desdobre o mapa e planeje roteiros.


Preste atenção em cada ponto de parada, e fique atento ao apito da partida.


E quando decidir descer na estação onde a esperança lhe acenou não hesite.


Desembarque nela os seus sonhos…

Desejo que a sua viagem pelos dias desse novo ano seja de PRIMEIRA CLASSE !!!!!


Beijos e um Feliz 2011 para todos!

sábado, 18 de dezembro de 2010

DEZEMBRO 1952_O PRIMEIRO PRESENTE DE NATAL

Da infância ela guardou quase todas as lembranças possíveis. Algumas desde os seus primeiros anos de vida, como o questionamento da vizinha que queria saber de quem ela mais gostava: do papai ou da mamãe? Ela usava um vestido de tafetá azul, tinha nos cabelos um laço de fita branca assim como os sapatos e as meias. Estava sentada na beirada da mesa e suas pernas balançavam no ar. Um grande espelho à sua frente refletia a sua imagem e a da vizinha, Dona Bel.

Seu pai e sua mãe se aprontavam para sair. Ela se lembra de como evitou olhar para o rosto da mãe. Não queria responder: sabia que gostava somente do seu pai. Dona bel percebeu sua indecisão e veio em seu socorro:

—Gosta dos dois iguais, não é, Lua? E completou:

—Os dois estão no seu coração.

Ela sabia que não era bem assim. Sabia que sua mãe também sabia a verdade sobre os seus sentimentos. Mas ainda era tão pequena... Tinha menos de dois anos de idade!

O tempo passando, ela crescendo sem direito a nada. Carinho só o pai tinha pra lhe dar e mesmo assim quando estava sóbrio e não estava trabalhando. Sem nenhuma regalia e quase sem brinquedos ouvia falar em Papai Noel. O pai todos os finais de anos recebia uma prenda no serviço que lhe era dado em forma de presente para a filha e que era um corte de tecido (chita) com o qual sua mãe lhe fazia um vestidinho. Aquele ano de 1952 seria diferente! Ela estava com quatro anos e sua mãe (que pretendia abandoná-la aos cuidados do pai), resolveu lhe recompensar levou-a para dar um passeio no centro da cidade. Pela primeira vez a menina viu as lojas enfeitadas para o natal e os Papais Noéis que vagavam pela cidade com seus sacos pendurados às costas onde se presumia que havia muitos presentes. A menina estava extasiada. A mãe deixou que ela se aproximasse de um desses homens e lhe pedisse algum brinquedo de presente. Para a menina isso era totalmente incompreensível: pedir o que, se não tinha sonhos ou desejos? Mas se espelhou numa menina que falou com o Papai Noel antes dela e pediu uma boneca com cabelo. O homem sorriu e ela se afastou dando a vez à outra criança. Como a mãe nesse dia parecia mais afável criou coragem e perguntou:

—Ele vai trazer mesmo o meu presente?

Ainda estava confusa e não sabia se tinha feito o pedido certo. A mãe respondeu que às vezes ele não conseguia lembrar de todos os endereços das crianças e o presente não chegava.

Continuaram a andar e entrar em outras lojas. A menina era toda felicidade. De repente elas param (aliás, a mãe fez com que ela parasse) em frente a uma vitrine onde havia uma pequena roda-gigante. Era uma réplica quase perfeita e ela achou interessante. A mãe insistia em aumentar a beleza e a importância do brinquedo e a menina pensou: "Será que ela quer comprar o brinquedo para mim?"

Depois de algum tempo de contemplação, arriscou:

—Compra pra mim, mãe?

A mãe a olhou sem responder e se afastaram dali.

A menina entendeu. A mãe com certeza não tinha o dinheiro necessário para comprar o brinquedo.

Em casa, tudo foi esquecido ou, quase tudo. À noite antes de dormir, a menina pensava no pedido que havia feito ao Papai Noel, na roda-gigante e em tudo o que havia visto naquele dia mágico.

Faltavam apenas dois dias para o Natal e a euforia das crianças era grande. Os adultos passavam e perguntavam:

—Já fez seu pedido à Papai Noel?

A menina dizia que sim e voltava a brincar. Na noite de natal, a mãe mandou que ela colocasse os sapatos perto da janela. A menina obedeceu sem muita convicção. Sua casa era tão pobrezinha e escondida... Será que Papai Noel acertaria o endereço?

No dia seguinte acordou com o chamado da mãe:

—Lua! Venha ver o que o Papai Noel deixou para você!

A menina correu até a janela da sala onde tinha colocado os seus sapatos e viu em cima deles havia um embrulho. Mas reparou que o embrulho não se parecia em nada com uma boneca e ficou parada. A mãe insistiu:

—Não vai abrir para ver o que é?

A menina então abriu o embrulho sem muita emoção e seus olhos se depararam não com a boneca de cabelo que ela havia pedido ao Papai Noel, mas com uma roda-gigante igualzinha a que ela e sua mãe tinham visto na loja.

No seu rosto nenhum sinal de emoção.

A mãe tentava desajeitadamente fazer com que a menina desse sinais de contentamento, e vendo que isso não acontecia, procurava alegrá-la dizendo:

—Viu, Lua? Papai Noel deve ter ouvido quando você me pediu para comprar a roda-gigante e trouxe ela para você!

Depois de retirar o brinquedo do embrulho a menina pegou o mesmo se afastou. Foi para o lado de fora da casa. Queria ficar sozinha com o seu brinquedo de Natal. Um brinquedo que ela não havia desejado, mas que estava ali em suas mãos e que serviria para o seu entretenimento.

Seus olhos se encheram de lágrimas. Do quintal olhou para o telhado da casa e para a janela (ainda fechada) sem entender direito como o Papai Noel conseguira entrar e não se lembrar do pedido que ela lhe havia feito. Ela estava quase com cinco anos, falava pouco, mas sua capacidade de compreensão era grande. Sabia que a mãe estava mentindo.
Sabia que Papai Noel não sabia o seu endereço e nem ligava para os pedidos que a s crianças pobres lhe faziam.
O tempo passou e esse foi o único brinquedo que ganhou (?) de Natal.

Apesar disso, a menina cresceu acreditando em Papai Noel e sonhando com o dia em que ele aprendesse o endereço de todas as crianças da face da Terra!

sábado, 4 de dezembro de 2010

Dever de Gratidão


Belo Horizonte, ano 1950. Em uma casa muito pobre, fica órfã de mãe uma menina de dez anos. Do pai não se sabia nada. Dele, sua mãe não comentava, só dizia que ele não queria saber delas. E agora ficaram só ela e sua avó. Depois do funeral, começou a maratona à casa de parentes para saber quem poderia ficar com a menina.

Uma tia disse: “Não fico com ela, porque está ficando mocinha, e sei que terei dor de cabeça, pois tenho um filho de quinze anos. Leve-a ao meu irmão. Ele ficará com ela, pois será de grande ajuda para a sua esposa no trato da casa”. Mas, chegando à casa desse tio, a resposta veio negativa, pois ele mal podia tratar de seus seis filhos e não queria mais uma boca para dar de comer. Depois de algumas tentativas com mais alguns parentes, alguém indicou um orfanato. Sua avó, uma mulher sem recursos, analfabeta, se viu desolada ao ter que enfrentar tal problema tão difícil. Ela também não saberia para onde ir depois que deixasse sua neta no orfanato. Dependia da resposta de uma carta, que já esperava há dois meses. Encontrou uma pessoa que se interessou pelo caso, e arrumou toda a papelada para a menina ser encaminhada ao orfanato. Lá chegando sentiu seu coração apertado e sentiu o gosto amargo de suas lágrimas em sua boca. A irmã que abrira a porta mandou que esperassem um pouco, pois logo a Madre Superiora viria atendê-las. Sentadas lado a lado, cada uma com seus pensamentos, quando a menina perguntou a sua avó:

—Vó, aqui tem crianças? Ela respondeu: “Sim tem”.

—Só crianças, Vó?

—Sim, só crianças.

—Mas está um silêncio tão grande! Não é hora de dormir, pois ainda não é noite. Não se ouve correria, gritos, risos ou choro, mas se sente no ar um que de infelicidade. Eu, Vó, não quero ficar aqui! Por favor, vamos embora! Eu, juro que te ajudarei a lavar roupa para as madames, trabalharemos juntas e você vai ver que crescerei logo e poderei ganhar um pouco mais, pra nos sustentar. Mas, por favor, não me deixe aqui!

Antes que sua avó pudesse responder, entra a Madre Superiora com os papéis na mão. Ela pergunta a avó da menina:

—Você é a responsável por ela?

—Sim! A avó respondeu.

A Madre lhe explicou tudo que ia ser feito.

—A gora assine aqui. Quero lhe dizer que, quando assinares estes documentos, e saíres por aquela porta, você não mais verá sua neta e nem terá notícias. Esqueça que tens esta neta!

A menina imóvel entorpecida pela dor escutava tudo calada. Como num passe de mágica ela ouviu a voz de sua avó, dizendo:

—Então vou levá-la de volta comigo, e seja o que Deus quiser! Mas não vou deixá-la que nem um cão danado...

Estava vencida a primeira luta de sua vida, porque viriam muitas e muitas lutas.

Sua avó tinha uma filha que morava em São Paulo. Seu marido era militar e devido a isso, viviam sempre longe de todos, mas sabedora da morte da irmã, ela convidou sua mãe para morar com ela. E aceitou que sua sobrinha viesse também, pois ela só tinha uma filha. As meninas seriam criadas juntas.

Passaram-se os anos. A menina cresceu e se tornou uma moça prendada e trabalhadeira. Se casou para construir sua própria família. Poderia dizer que ela foi feliz, mas a vida não foi um mar de rosas para ela. Se tornou uma mulher forte, altiva e perseverante. Ao nascer seu primeiro filho, sua felicidade foi completa, mas logo ele faleceu. Seu mundo desabou. Mas o tempo curou o seu coração da grande perda. Mais tarde teve outros filhos lindos e com saúde. Apesar da vida difícil, ela saiu ilesa. Ao completar os seus quarenta anos sua vida foi coroada pela vinda de uma menina que ela adotou e que foi criada com muito amor e carinho.

A vida transcorreu com seus altos e baixos, como na vida de qualquer mortal.

Os filhos cresceram, casaram-se e foram viver as suas vidas. Os netos começaram a chegar.

E hoje, quando estão todos reunidos, alegres, a conversar sobre o jogo que irá ser televisionado nesta tarde, ela olha com amor e carinho para os seus familiares: flamenguistas, fluminenses, vascaínos (e o melhor de todos) seu neto botafoguense e, vem-lhe à mente a menina que seria deixada para traz, e que no entanto, graças ao coração bondoso e cheio de amor de sua vovó que a levou consigo, juntas enfrentaram e venceram todas as lutas.

Apesar de sua avó ser analfabeta e pobre, com este gesto mostrou-lhe que a maior riqueza está em nosso coração e ela hoje é feliz com sua família. Sempre que pode, eleva os seus pensamentos à Deus agradecendo por tudo que tem.

E dentro do seu coração, lá dentro do seu íntimo, bem no fundo do seu ser, ela sabe que tem o dever de gratidão para com sua vovó.

Sabe com certeza que ela está com todos os anjos no céu para desfrutar da vida eterna com Deus.

Obs: Texto escrito por uma amiga a quem muito considero e que assina:
Edêmia Luzia

Réquiem a um José comum (Primeira Parte)


Santo Antônio de Pádua - RJ – 19??

José nasceu no tempo em que o Getulismo estava em alta e a mãe desejava dar esse nome ao filho. Assim que o menino nasceu entre as parteiras e vizinhas a notícia correu:

—O fio de Maria Amáia vai se chamá Getúio!

O pai estava na roça. Saíra cedinho bem antes que os raios do sol se fizessem presentes. Deixara a mulher dormindo. E bastou que se afastasse para que Maria Amália despertasse já sentindo as primeiras dores do parto. Com certa dificuldade se arrastou até a casa da Comadre mais próxima. Todos estavam de sobreaviso e José veio ao mundo sem muitos transtornos, naquele 17 de março, uma quinta-feira e como ele costumava dizer, “véspera do dia em que se comemora a morte de Nosso Senhor Jesus Cristo”. Era uma quinta-feira Santa e disso Maria Amália nunca se esqueceu.

Tomé, (o pai) homem de poucas palavras, aguardava o nascimento do primeiro filho sem muito entusiasmo. Deixava que a mulher se encantasse e ás vezes se descabelasse com a novidade. Trabalhava com afinco sob um sol de março e estranhou quando o almoço demorou a chegar. Se distraía com a fumaça do cigarro de palha, que além de lhe dar um certo prazer, também servia para espantar a fome. De vez em quando, olhava esperançoso a curva do caminho. Mas nada do almoço chegar. E Tomé pensou:

—Será que aconteceu alguma coisa? E se o menino?... – sempre pensava na criança como sendo um menino. Não que se importasse com o fato de que nascesse uma menina. Para ele criança era tudo igual e davam os mesmos problemas, mas intuitivamente sabia que seria um menino. Aguardou que o sol esmaecesse. Antes de pegar o rumo de casa, acendeu mais um cigarro e enquanto fumava, deixou que os pensamentos fluíssem:

Sempre fora um moço tímido e calado. Desde os tempos de adolescência fora assim. Não conseguia fazer amigos e era com relutância que se achegava às moças da redondeza. Saía pouco e não gostava muito de conversar. Conheceu Maria Amália aos vinte e três anos e se apaixonou. Era a cabrocha mais bonita que Tomé já havia visto. E como era animada a danada! Corpo bonito, apesar de um tanto magra para os padrões da época, olhos brilhantes e um farto sorriso. Ainda agora ao lembrar, Tomé se emocionava. E os longos cabelos negros e brilhantes, amarrados em tranças, amarraram Tomé. As moiçolas negras da vizinhança, faziam de um tudo para que os cabelos crescessem, sem muito resultado. Mas Maria Amália jogava suas tranças soltas e exuberantes aos olhos encantados de Tomé. Pouco tempo depois estavam casados. Ela, com o sorriso à flor da pele e a dança incrustada no corpo. Ele, embevecido com a conquista fácil e esperando que ela se tornasse uma boa esposa. As brigas logo se iniciaram. Para Maria Amália bastava o som distante de uma sanfona, para esquecer as obrigações de dona de casa e sair em busca da diversão. Saía na sexta e só voltava para casa na segunda. Tomé se entristecia, e às vezes reclamava. Porém não era homem dado a violência e deixava que a mulher se divertisse. Os vizinhos comentavam a liberdade excessiva de Maria Amália. O tio de Tomé era o mais agoniado com a situação.

—Ô homem, vê se toma uma atitude! O home tem que domá a muié. Ocê tá envergonhando a famía!

A gravidez precoce acalmou um pouco em Maria Amália a sua sofreguidão por festas. No corpo magro os vestígios se faziam notar facilmente. E Maria Amália vaidosa como era, se entristecia com a forma arredondada que o ventre assumia. Por isso, ficava em casa. Entre o chorar de tristeza e a alegria de ser mãe. Tomé ficou satisfeito.

—Quem sabe, daqui prá diante ela sossega o facho em casa?

No fundo, porém Tomé sentia medo, ou quem sabe até um pressentimento de que as coisas não seriam exatamente assim.

Tomé chegou em casa quase ao anoitecer. Encontrou a vizinhança em festa.

—Seu fio nasceu, seu Tomé! Seu fio nasceu! O sinhô já é pai!

Entrou em casa em silêncio. Trazia no ombro a enxada com que trabalhara no roçado. Aproximou-se da cama e olhou para criança que a mãe amamentava. A casa era pequena. Ainda assim estavam presentes a parteira, um tio de Tomé e mais duas vizinhas que entusiasmados tentavam despertar em Tomé algum vestígio de contentamento.

—É Tomé. Ocê agora tem um homezinho prá criá, home! E óia que com esse nome esse menino vai longe! E o tio falava com orgulho:

—Donde já se viu um neguinho da famía dos Mello se chamá Getúio!

Tomé colocou a enxada no chão, retirou da cabeça o chapéu de palha, desfiado e empoeirado, e calmamente sentenciou:

—O meu fio vai se chamá José! Eu quero que o meu fio tenha nome de home. De trabaiadô.

Sem mais palavras, saiu em direção aos fundos do quintal onde ia tomar o seu banho rotineiro no riacho que cortava o terreno.

Todos ficaram desapontados. O tio, de rosto amarrado, saiu sem se despedir. Maria Amália chorou em silêncio.

Registro mesmo, José só veio a ter aos quatro anos. Mas o veredicto de Tomé prevaleceu. E o menino que no seu primeiro instante de vida, foi chamado de Getúlio e Getulinho, cresceu José. E de sobra recebeu também o nome de um outro tio de Tomé. Francisco. E assim ficou sendo José Francisco. José Francisco de Mello. Nome de homem, de trabalhador, como quis o seu pai.

Maria Amália, assim que se viu livre da barriga, começou a fazer planos:

—Quando o menino tiver uns três mês, eu vorto pros baies!

E todas as noites de sextas-feiras, enquanto embalava o pequenino José e ouvia o som da sanfona à distancia, ia arquitetando um jeito de voltar aos bailes. A vida ao lado de Tomé era calma, porém não era isso que Maria Amália queria. Gostava de ser paquerada, de se sentir admirada e desejada pelos homens. Sabia que era errado de sua parte, afinal era uma mulher casada. Mas a dança estava em seu sangue. Se pelo menos Tomé, lhe fizesse companhia! Mas, qual o que. Aquilo era parado demais. Nem parecia homem!

Aos pouco Maria Amália foi se reintegrando a sua vida de prazeres de finais de semanas. José ficava ora com o pai, ora com alguma vizinha prestativa. E os meses passando. Agora Tomé brigava e se aborrecia com as ausências da mulher. O menino não podia ficar quase três dias sem ser amamentado! Apesar de todos os contratempos e das brigas constantes, Maria Amália não se fazia de rogada. Os bailes para ela estavam em primeiro lugar.

Quando José completou dois anos, nova surpresa: Maria Amália estava novamente grávida. E mais uma vez ela se entristeceu e se amaldiçoou. Não queria ter outro filho para lhe atrapalhar a vida. Já bastava o estorvo do José. Prá que mais um?

Tomé de calado e tímido se tornou também um homem triste. E se já falava pouco, passou a falar menos ainda. Sofria com a rejeição da mulher pelo filho e se sentia mais triste ainda pelo outro que vinha a caminho.

E Luzia nasceu. Tomé se emocionou com a filha. Era linda e parecida com a mãe. Agora as preocupações de Tomé eram maiores. Será que Maria Amália deixaria a filha sozinha também? Afinal uma menina requer maiores cuidados.

Maria Amália logo demonstrou pela menina a mesma aversão que demonstrara por José. Para ela, os filhos eram como um castigo, pois tiravam a sua “liberdade”. A vida continuou a mesma. As crianças nos finais de semanas eram responsabilidade do pai e das vizinhas.

As reclamações e as queixas da mulher doíam fundo no coração de Tomé. E sem que ninguém suspeitasse a mágoa e a tristeza foram corroendo e enfraquecendo o seu coração até que um belo dia, ele saiu para o trabalho e lá mesmo ficou.

Alguns homens trouxeram o corpo e depositaram numa mesa na sala, com os pés prá fora, como era costume.

Mara Amália se desesperou.

—Como é que vou criá essas criança, minha Nossa Senhora?

José, nos seus cinco anos de idade não entendia direito o que estava acontecendo e se divertia vendo a casa cheia. Brincava no quintal com um galho que lhe servia de cavalo, quando alguém lhe chamou:

—Ei, menino! Venha tomar a benção ao seu pai!

José parou a brincadeira sem entender por que tomar a bênção ao pai defunto. Sabia que estava morto. Estava acostumado com a morte, que naquela época era comum entre os vizinhos. Ora uma criança, ora um adulto vítima da tuberculose. O certo é que ele sabia que o pai não responderia a sua benção, mas obedeceu. O enterro saiu e a vida deles mudou.

Se mudaram para Barra Mansa. Ali Maria Amália trabalhava como doméstica em pensões e à noite sempre trazia para casa alguma sobra de comida para saciar a fome dos filhos. A viuvez súbita e a responsabilidade maior fizeram com que se tornasse em pouco tempo uma mulher amarga. Descontava nos filhos a amargura que sentia. José era quem recebia a maior parte dos maus-tratos. Cozinhavam num fogão de lenha e José gostava de ficar olhando as fagulhas brilhantes que saíam dos galhos secos enquanto queimavam. Alguns, de vez em quando estouravam e pareciam pequenos fogos de artifícios. Numa manhã enquanto observava as chamas e luzes do fogo, José foi agredido pela mãe que além de espancá-lo, ainda o queimou com um graveto em brasa. A queimadura foi no olho esquerdo e com os gritos de dor do menino, os vizinhos acorreram e Maria Amália quase foi linchada. Felizmente a queimadura não atingiu a vista e sarou deixando apenas uma marca na pele. Luzia era tratada com mais carinho e até com um certo dengo pela mãe.

O fato do menino ser parecido com o pai fazia com que Maria Amália se revoltasse contra ele com muita facilidade. Vez por outra Maria Amália aparecia em casa com um namorado. Como residiam em um quartinho pequeno, costumava dar cachaça às crianças para poder desfrutar de uma maior liberdade com o seu homem. Certa noite trouxe para casa um velho que encontrara na estrada. Era um preto africano e andarilho de quem Maria Amália se compadeceu. Deixou que ele ficasse morando com ela e as crianças. Achava vantajosa sua companhia, pois os filhos não ficariam mais sozinhos enquanto estivesse no trabalho. O homem exigiu ser chamado de avô e passou a exercer vigilância severa sobre os dois irmãos. Maria Amália informou ao mesmo que se necessário, poderia castigar os dois. O que ela não sabia era que o homem era perverso e passou a aplicar castigos físicos tanto em José como em Luzia por coisas banais. Para castigá-los usava um arame retorcido que chamava de “bacalhau”. As surras eram constantes e eles ainda eram ameaçados:

—Se contá prá sua mãe, eu acabo cum ocês!

Algumas vizinhas penalizadas, contaram a Maria Amália o que estava acontecendo e ela mandou que o velho fosse embora. Maria Amália havia se tornado uma mulher que falava pouco, e quase sempre para reclamar da má sorte.

Aos nove anos José passou a fugir de casa e ir até a estação de trem em busca de uns trocados. Ajudava a carregar as malas dos viajantes que iam se instalar no hotel que ficava em frente. Com o dinheiro que recebia, comprava favos de mel (que nesta época era vendido em pequenos tabuleiros) e, se sobrasse algum, levava bolachas para a irmã.

Uma noite a mãe chegou em casa acompanhada de um homem. José logo o reconheceu: era o chefe da estação do trem. O homem era “preto feito pixe” e José não gostava de preto. Usava um casaco cinza e um chapéu de feltro. Dentro do bolso interno do casaco, trazia sempre uma pequena garrafa de uísque, como os atores dos filmes americanos. A mãe para despistar o filho dizia que aquele homem era seu compadre. José sabia que era mentira e ficava sempre de olho neles. Um dia o homem chegou, abriu o casaco e deu a garrafinha na mão de José. Era uma garrafinha de wisk e ele disse a José que podia beber tudo! Apesar do gosto forte, para quem já se acostumara com a cachaça, não foi difícil aceitar o wisk. Tudo isso causou uma estranha euforia no menino. Estava com menos de doze anos e já podia beber! José bebeu a metade do líquido da garrafa e dormiu como uma pedra deixando sua mãe e o homem à vontade. As visitas do homem continuaram e sempre ele levava uma garrafinha de bebida para José. Com o passar do tempo a mãe apareceu grávida. José ficou sabendo ao ouvir uns cochichos das vizinhas. Reparou então na barriga da mãe. É. Ele e Luzia ganhariam um irmãozinho ou irmãzinha. Com a gravidez a mãe trabalhava cada vez menos. José não gostava daquele homem com quem sua mãe mantinha um romance. Apesar de negro, José por ter a pele uma pouco mais clara, se julgava diferente e melhor. Era mulato e não admitia ser chamado de preto. Meses depois o novo membro da família chegou. Era um menino e tão preto quanto o pai. José olhava para aquela criança e se sentia traído pela mãe. Olhava para o irmão e pensava:

—Carvão! Fio de carvão”!

Maria Amália trabalhava pouco. Precisava cuidar do menino. Depois de algum tempo o homem deixou de aparecer e José sentiu falta da bebida. O sumiço do homem fez com que ela se revoltasse ainda mais com os filhos. As surras aumentaram de intensidade e José, já revoltado, resolveu fugir de casa. Era um menino forte e esperto, por isso não foi difícil conseguir emprego numa fazenda. Cuidava dos porcos e se alimentava do mesmo inhame que os animais comiam. Quando tinha algum tempo de folga ia até a fábrica de leite (onde entrava sem ser visto) e roubava pedaços do leite congelado. Não faltava as matinês (aos domingos) no cinema da cidade e com o primeiro pagamento recebido, ele comprou uma calça curta nova e uma camisa de “cowboy” como as do seu ídolo Lon Chaney. O tempo passava e José estava feliz. Ali na fazenda, apesar de não ter muito conforto, não apanhava e tinha liberdade para ir e vir. Já havia se passado seis meses desde a sua fuga e ele resolveu ir a uma quermesse (festa de largo) na Igrejinha da cidade. Um parque de diversões havia sido instalado e as crianças faziam festa. Ao passar correndo por entre alguns adultos, José ouviu alguém gritar:

—Óia ele ali, dona Maria! Óia lá o José!

Pronto. Estava ele de volta aos braços de sua mãe. Voltou para casa, entre abraços e beijos. Reviu a irmã Luzia que continuava calada, ou como José costumava dizer, “uma pasmaceira”. Estava com algum dinheiro no bolso e fez questão de doar a mãe. Pela primeira vez ouviu um elogio da parte dela:

—Viu, cumade como é bom, ter um fio home? Obrigada, meu fio. Deus lhe pague.

José crescia sem rumo e sem amor. O homem da estação voltou a freqüentar a casa, mas não aceitava a presença de José “que já tava virando home”. A mãe em outra opção, mandou que ele fosse morar por uns tempos em casa de um tio, em Volta Redonda. O tio Octaviano era um homem duro de coração e exigia muito de José. Ali em sua casa José aprendeu que era mesmo diferente dos primos. Todos os seus primos e primas podiam ir à escola, menos ele. Era um órfão e tinha que trabalhar. Nada de escolas ou outras regalias. José, apesar de estar já com doze anos ainda urinava na cama. Quando o tio Octaviano percebeu o que acontecia, passou a espancá-lo. Para “ensiná-lo” fazia questão de levantar durante a noite apenas para verificar se José estava molhado. Quando isso acontecia, tio Octaviano se enfurecia e arrastava José até a beira do rio que passava nos fundos da residência e o atirava dentro da água, por mais fria que a água estivesse. Depois o obrigava a dormir com a roupa encharcada.

—Tudo isso é pra ocê aprendê a sê homi!

José sofria, mas não ousava desobedecer ao tio. Aos pouco (graças aos “ensinamentos” do tio) deixou de fazer xixi na cama e como presente ganhou um par de sapatos. Estava com treze anos e era a primeira vez que colocava um sapato nos pés! José se sentia importante. O que ele ainda Ele ainda não sabia, era que os sapatos eram parte do uniforme que usaria para ir à escola. Agora José acordava cedo e ia direto para a escola. Estava contente e se sentia feliz. A única coisa ruim era a dor que sentia nos pés. Por nunca ter usado um calçado, os seus pés eram achatados e o sapato incomodava. Então, ele esperava se afastar um pouco de casa e retirava os mesmo. Amarrava os dois pelo cadarço, colocava no ombro e só os calçava quando se aproximava do colégio. As crianças que cruzavam por ele no caminho estranhavam e lhe perguntavam o motivo daquela mania. José então cheio de orgulho dizia que agia assim para não sujar e nem gastar os sapatos. Era inteligente e no primeiro ano de estudo conseguiu passar para a terceira série, no entanto a mãe precisava dele e ele precisou voltar para casa. As coisas não iam muito bem para sua mãe. O homem da estação havia sumido de novo.

José conseguiu um emprego como entregador de pão. Já de madrugada estava ele com um cesto quase do seu tamanho na cabeça, descendo uma das ladeiras da cidade em direção a um ponto distante onde o dono do armazém, nem sequer lhe agradecia. Apenas pegava o cesto lhe entregava o dinheiro do pagamento e virava as costas. José saía ainda com escuro e para chegar ao local da entrega passava por uma região onde o mato era muito espesso. Ali costumava haver assaltos e José sempre que passava por ali, ia rezando em pensamentos. Um dia, assim que acabou de descer o morro, percebeu que um homem lhe observava de dentro do mato. Fingiu não ter percebido e continuou o seu caminho, procurando andar mais rápido. O homem logo o alcançou e fez menção de lhe tirar o cesto de pão. O homem estava armado com uma faca e José se intimidou, afinal era apenas um menino de treze anos diante de um homem mal intencionado. Colocou o cesto no chão e tentou correr, mas o homem o alcançou e tentou esfaqueá-lo. Sem saber como, José conseguiu tomar a faca do homem e durante a luta que se seguiu ele esfaqueou o homem. O homem caiu parecendo não acreditar no que estava acontecendo. José viu o sangue que começava a escorrer do peito do homem, colocou novamente cesto na cabeça e correu o mais depressa que pode. O homem ainda gritou para lhe pedir ajuda, mas ele estava apavorado e só pensava em fugir dali. Chegando ao armazém, entregou o cesto e pela primeira vez deu graças a Deus pelo fato do homem não prestar atenção nele. Estava com a roupa suja de sangue e não saberia o que dizer. Saiu apressado e ao invés de voltar à padaria e entregar o dinheiro ao dono, como sempre fazia, resolveu que fugiria de novo. Só que dessa vez ele iria para longe. Iria para o Rio de Janeiro. No mesmo dia embarcou num trem com destino ao Rio de Janeiro e tratou de esquecer o incidente. Assim que chegou a Central do Brasil comprou uma camisa e um par de chinelos. Travou conhecimento com alguns meninos que vendiam doces por ali e conseguiu emprego com moradia numa casa no Méier . Era uma avenida de casas onde a senhoria fazia e vendia doces. José acordava cedo para entregar os tabuleiros de doces pela freguesia da redondeza. Sempre descalço e com pernas fortes descia e subia as ruas sem dificuldades. Ao término do serviço de entregas, sua função era lavar os tachos onde os doces eram feitos e ele se deliciava com as raspas dos mesmos. Passado alguns dias, conversou com a mulher que o havia empregado e falou sobre sua mãe, sua irmã e o irmão menor que viviam em Barra Mansa. Queria trazê-los para o Rio, mas não sabia como. A mulher então resolveu lhe ajudar: ela precisava de mais alguém para ajudá-la no serviço e a mãe dele poderia vir, trabalhar com ela e morar num dos quartos que ela alugava. José juntou dinheiro e foi em Barra Mansa para buscar a mãe, a irmã e o irmão menor. Elas vieram e ficaram morando e trabalhando na mesma casa onde José trabalhava.

Com o decorrer do tempo e depois de fazer novas amizades, José saiu dali. Foi trabalhar em obras e com o dinheiro que recebia, freqüentou uma academia de boxe onde aprendeu um pouco da luta. Gostava de fazer uso da força física que possuía e vez por outra estava se envolvendo em brigas. A bebida já fazia parte da sua vida. Bebia quantidades enormes de cachaça sem se embriagar. Isso causava certo espanto entre os colegas que não entendiam como isso era possível.

A mãe alugou um outro quarto onde foi morar com os filhos menores. José, empenhado no trabalho e nas orgias quase não a visitava. Soube que ela estava doente do pulmão e decidiu que assim que pudesse iria lhe fazer uma visita. Num domingo, acordou cedo, comprou leite, frutas e doces e se dirigiu ao local onde a mãe morava. Já fazia meses que não a via. Ela residia numa avenida de casas e assim que ele chegou ao portão foi informado por uma das moradoras que sua mãe havia morrido e já estava sepultada há dois dias. José se chocou tanto com a notícia que, ao invés de entrar para saber dos irmãos mais novos, jogou a bolsa de frutas no chão e saiu dali esmurrando todas as paredes que encontrava pela frente. A tristeza e o remorso lhe corroendo a alma e o desejo de ter agido diferente. Pobre José! Não teve a chance de ouvir dos lábios da mãe a última bênção... estava com dezoito anos e a vida precisava continuar.