sábado, 4 de dezembro de 2010

Dever de Gratidão


Belo Horizonte, ano 1950. Em uma casa muito pobre, fica órfã de mãe uma menina de dez anos. Do pai não se sabia nada. Dele, sua mãe não comentava, só dizia que ele não queria saber delas. E agora ficaram só ela e sua avó. Depois do funeral, começou a maratona à casa de parentes para saber quem poderia ficar com a menina.

Uma tia disse: “Não fico com ela, porque está ficando mocinha, e sei que terei dor de cabeça, pois tenho um filho de quinze anos. Leve-a ao meu irmão. Ele ficará com ela, pois será de grande ajuda para a sua esposa no trato da casa”. Mas, chegando à casa desse tio, a resposta veio negativa, pois ele mal podia tratar de seus seis filhos e não queria mais uma boca para dar de comer. Depois de algumas tentativas com mais alguns parentes, alguém indicou um orfanato. Sua avó, uma mulher sem recursos, analfabeta, se viu desolada ao ter que enfrentar tal problema tão difícil. Ela também não saberia para onde ir depois que deixasse sua neta no orfanato. Dependia da resposta de uma carta, que já esperava há dois meses. Encontrou uma pessoa que se interessou pelo caso, e arrumou toda a papelada para a menina ser encaminhada ao orfanato. Lá chegando sentiu seu coração apertado e sentiu o gosto amargo de suas lágrimas em sua boca. A irmã que abrira a porta mandou que esperassem um pouco, pois logo a Madre Superiora viria atendê-las. Sentadas lado a lado, cada uma com seus pensamentos, quando a menina perguntou a sua avó:

—Vó, aqui tem crianças? Ela respondeu: “Sim tem”.

—Só crianças, Vó?

—Sim, só crianças.

—Mas está um silêncio tão grande! Não é hora de dormir, pois ainda não é noite. Não se ouve correria, gritos, risos ou choro, mas se sente no ar um que de infelicidade. Eu, Vó, não quero ficar aqui! Por favor, vamos embora! Eu, juro que te ajudarei a lavar roupa para as madames, trabalharemos juntas e você vai ver que crescerei logo e poderei ganhar um pouco mais, pra nos sustentar. Mas, por favor, não me deixe aqui!

Antes que sua avó pudesse responder, entra a Madre Superiora com os papéis na mão. Ela pergunta a avó da menina:

—Você é a responsável por ela?

—Sim! A avó respondeu.

A Madre lhe explicou tudo que ia ser feito.

—A gora assine aqui. Quero lhe dizer que, quando assinares estes documentos, e saíres por aquela porta, você não mais verá sua neta e nem terá notícias. Esqueça que tens esta neta!

A menina imóvel entorpecida pela dor escutava tudo calada. Como num passe de mágica ela ouviu a voz de sua avó, dizendo:

—Então vou levá-la de volta comigo, e seja o que Deus quiser! Mas não vou deixá-la que nem um cão danado...

Estava vencida a primeira luta de sua vida, porque viriam muitas e muitas lutas.

Sua avó tinha uma filha que morava em São Paulo. Seu marido era militar e devido a isso, viviam sempre longe de todos, mas sabedora da morte da irmã, ela convidou sua mãe para morar com ela. E aceitou que sua sobrinha viesse também, pois ela só tinha uma filha. As meninas seriam criadas juntas.

Passaram-se os anos. A menina cresceu e se tornou uma moça prendada e trabalhadeira. Se casou para construir sua própria família. Poderia dizer que ela foi feliz, mas a vida não foi um mar de rosas para ela. Se tornou uma mulher forte, altiva e perseverante. Ao nascer seu primeiro filho, sua felicidade foi completa, mas logo ele faleceu. Seu mundo desabou. Mas o tempo curou o seu coração da grande perda. Mais tarde teve outros filhos lindos e com saúde. Apesar da vida difícil, ela saiu ilesa. Ao completar os seus quarenta anos sua vida foi coroada pela vinda de uma menina que ela adotou e que foi criada com muito amor e carinho.

A vida transcorreu com seus altos e baixos, como na vida de qualquer mortal.

Os filhos cresceram, casaram-se e foram viver as suas vidas. Os netos começaram a chegar.

E hoje, quando estão todos reunidos, alegres, a conversar sobre o jogo que irá ser televisionado nesta tarde, ela olha com amor e carinho para os seus familiares: flamenguistas, fluminenses, vascaínos (e o melhor de todos) seu neto botafoguense e, vem-lhe à mente a menina que seria deixada para traz, e que no entanto, graças ao coração bondoso e cheio de amor de sua vovó que a levou consigo, juntas enfrentaram e venceram todas as lutas.

Apesar de sua avó ser analfabeta e pobre, com este gesto mostrou-lhe que a maior riqueza está em nosso coração e ela hoje é feliz com sua família. Sempre que pode, eleva os seus pensamentos à Deus agradecendo por tudo que tem.

E dentro do seu coração, lá dentro do seu íntimo, bem no fundo do seu ser, ela sabe que tem o dever de gratidão para com sua vovó.

Sabe com certeza que ela está com todos os anjos no céu para desfrutar da vida eterna com Deus.

Obs: Texto escrito por uma amiga a quem muito considero e que assina:
Edêmia Luzia

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