domingo, 13 de dezembro de 2009

Uma História Sobre Quatro Pessoas

Esta é uma história
sobre quatro pessoas.
TODO MUNDO, ALGÚEM,
QUALQUER UM E NINGUÉM.
Havia um grande trabalho a ser feito.
TODO MUNDO tinha certeza
de que ALGUÉM faria.
QUALQUER UM poderia tê-lo feito,
mas NINGUÉM o fez.
ALGUÉM zangou-se,
porque era um trabalho de TODO MUNDO.
TODO MUNDO pensou que
QUALQUER UM poderia fazê-lo.
Ao final TODO MUNDO
culpou ALGUÉM
quando NINGUÉM fez o que
QUALQUER UM poderia ter feito.

Desconheço o autor do texto.

sábado, 21 de novembro de 2009

Como comprar um tesourinha...

Numa Loja em Campo Grande_RJ

Há dias venho pensando em comprar uma tesourinha e fui a uma loja de renome no ramo costura e artesanato com a intenção de concretizar o meu plano. Assim que entrei perguntei a moça do balcão se havia tesourinhas para vender. De pronto ela me respondeu que sim e esticou o braço me apontando na parede às minhas costas um painel repleto de tesouras de todos os tipos, formatos e funções. Detalhe: o painel que media em torno de 90cm de largura por 1 metro de comprimento (avaliação do meu olhômetro de costureira) estava afixado na parte mais alta da parede. As tesouras estavam presas e catalogadas por tamanho. Em cima estavam as menores (bem pequenas, digo eu) e as tesouras maiores, as de picotar e tesourões na parte de baixo, a cerca de um metro e meio do chão. Todas estavam marcadas com os preços e com um código numerado escrito com canetinha preta ou vermelha. É claro que as tesouras grandes estavam bem visíveis, porém eu estava interessada numa tesoura pequena e os óculos que uso para perto dificultavam em muito a minha visão. Expliquei a moça a minha dificuldade e ela me perguntou:
—A senhora que com a ponta curva ou com a aponta fina?
Fiquei indecisa. Tinha em mente um modelo específico de tesoura que a minha mãe usava para fazer os seus bordados richelieu, mas olhando daquela distância as tesouras me pareciam indefinidas. Querendo agilizar o processo de compra da tesoura escolhi a olho uma que me pareceu ser mais ou menos parecida com o que tinha em mente e apontei (da melhor maneira possível) o objeto da minha escolha. Ela se apressou a sair em busca do objeto:
— Já sei! A ...78.
— Olhei para o painel para me certificar e embora não conseguisse enxergar os outros números vi que o final era 2 e não 8. Enquanto isso ela voltava coma tesourinha na mão. Olhei para mesma e disse:
— Não é essa que eu quero! A moça já sem paciência me disse:
— Mas foi essa que a senhora me mostrou!
Com calma eu expliquei a ela (apontando novamente) que a tesoura escolhida por mim era a que terminava com o número 2. Então ela pareceu se zangar e me disse:
— Mas aquela é para cortar cabelo!
Tentando ser objetiva e prática eu repliquei:
— Filha. Veja bem. Eu uso óculos para perto e faz muito tempo que passei dos quarenta. Daqui de baixo eu não consigo ver o formato da tesoura. Se o painel estivesse ao alcance dos meus olhos com certeza eu saberia lhe dizer com mais clareza o que quero, mas já que estamos perdendo nosso tempo, por favor traga uma tesoura daquela que eu amostrei pra que eu possa ver. Ela saiu para atender o meu pedido e de repente ouvi um grito. Me debrucei no balcão e vi a moça que estava me atendendo parada e com ar de assustada no corredor ao lado do armário onde estavam as tesouras dizendo para as amigas:
— Uma barata! Uma barata!
As amigas riam e uma ainda disse:
— Deixe a bichinha passear...
Tentando ser discreta me afastei do balcão e a moça veio logo em seguida me dizer que infelizmente o modelo de tesoura que eu queria estava em falta. Olhei nos seus olhos, agradeci e saí da loja com a sensação de que ao entrar ali e quere uma tesourinha eu havia feito algo de errado. Constrangi a vendedora e ainda a obriguei a levar um susto com a barata. Fiquei me perguntando:
Será que eles usam a “tática” do painel inacessível para dificultar a venda?
E deduzi: Talvez eles não queiram vender tesouras.

Dia da Consciência Negra (ou do negro)

Ontem, Dia da Consciência Negra foi feriado por aqui. Todos os anos, devido a esse fato, vários eventos são elaborados e em quase todos os lugares se encontra diversão fácil e de excelente qualidade, todas elas direcionadas para o público afro descendente. É claro que a intenção maior é conscientizar a população negra sobre a história e os costumes de sua etnia e dar a eles a ilusão de que são valorizados pela sociedade. Durante os dias que antecedem ao feriado, a televisão exibe comerciais sobre o assunto e algumas vezes inclui em sua programação peças ou documentários voltados ao mesmo tema. Dessa vez, como sempre eu estava ligada na TV já que a saúde, ou melhor: a falta dela me obriga a ficar em casa e pude me deliciar com uma reportagem de alto nível exibida pela TVE Brasil sobre o Continente Africano, alguns dos seus povos e a analogia que existe entre os costumes e a vida dos negros daqui com os costumes e os negros de lá. A reportagem inicia falando dos Pgmeus (povo discriminado tanto pelos brancos como pelos negros de outras etnias pela sua estatura). Enquanto assistia e ouvia a fala e os comentários da repórter, fui me reportando a velhas falas e imagens da minha infância, onde o negro era sempre visto e tido como um ser inferior e de inteligência duvidosa. De repente me dei conta que, assim como a maioria dos negros do Brasil, não tenho identidade africana e como afro-descendente a minha memória é memória brasileira carregada de exclusão e preconceito. Sou neta de um escravo africano e nada sei de sua vida ou da sua história fora do Brasil. Como lembrança trago na certidão de nascimento o nome que ele herdou do seu Senhor: André Avelino dos Santos e também que vivia na cidade de Penedo, no Estado de Alagoas. E com tristeza descobri que a minha história para por aí. Não sei quem foram meus ancestrais, ou de que parte da África vieram. Qual o tipo de bagagem cultural que trouxeram ou coisa que o valha. Da família da minha mãe eu sei bastante. Meu avô materno era português, comerciante, viveu em Santo Amaro da Purificação na Bahia e até hoje eu tenho contato com primos e outros parentes. Mas a minha raiz africana, ficou relegada ao esquecimento. Meu pai nada sabia da vida do meu avô e nunca deve ter se importado com isso, já que não é costume entre os negros falar de “imigração” pois eles vieram para cá sem escolha e contra a vontade. A minha pele negra diz que sou afro-descendente, mas isso é muito pouco para que eu viva a minha negritude em toda a sua plenitude. Sem identidade, como posso sentir orgulho de mim mesma e lutar pelos meus direitos, da maneira que tentam me incutir? No dia da Consciência Negra, descobri que a minha consciência de negritude é muito fraca e é por isso que me tornei o que sou. Um barco à deriva no mar do esquecimento para onde fui levada, assim como meus irmãos de cor. Lutar contra isso é difícil. Afinal contra o que mesmo eu devo lutar? Contra o preconceito racial? Como assim, se dizem que não há raças? Contra a exclusão social? Como, se sou afro-descendente e neta de escravos? Vocês hão de convir que todo o descendente herda alguma coisa dos seus progenitores, seja de ordem material ou genético, sendo assim... Do meu avô escravo devo ter herdado a pobreza e a resignação. Só assim se explica todos esses anos de exclusão e sofrimento. Chorei durante toda a reportagem. Me vi ali nos rostos daquelas mulheres negras e primitivas que levam suas vidas afastadas da sociedade contemporânea, com todos os seus parcos sonhos se resumindo quase sempre a um homem, um pouco de água limpa, e um pouco de dança para sufocar a dor. Querer mais do que isso é querer demais. O carnaval aqui do outro lado do Atlântico, nos dá a mesma sensação. É ali nos sambódromos da vida que deixamos de lado a nossa insignificância e nos travestimos de reis, rainhas e princesas e anestesiamos a alma para dar continuidade à vida nesta terra onde viemos parar e que teima em nos desamparar.
Salve o Dia da Consciência Negra! E salve os negros que de sua história conseguem ter consciência.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Às vezes se mata alguém por nada... (ou) Uma morte sem motivos

Sandra era casada com José. Quando casou estava apaixonada como a maioria das moças. José era um rapaz forte, trabalhador e era uma boa pessoa. Ela era de Minas Gerais e estava no Rio desde os 13 anos. Trabalhava em casa de família e não tinha muitos sonhos. Quando José lhe propôs casamento ela logo aceitou. Não sentia muita falta da família e casar era o seu maior sonho. Com o casamento deixou o emprego e logo engravidou. Quando o primeiro filho nasceu, José ficou radiante, afinal tudo o que ele mais queria era um filho homem. No ano seguinte Sandra deu a luz a Mariana. Agora sim, estava feliz, pois tinha uma menina. José trabalhava de porteiro e geralmente estava descansado e de bom humor. Com isso, Sandra e José dividiam as tarefas domésticas. Moravam numa pequena vila de casas e contavam sempre com a ajuda e a presença de alguns vizinhos e amigos. Nos primeiros cinco anos de casados, foram felizes. Ou melhor pareciam felizes, até que Sandra se deu conta da rotina em que sua vida se tornara.
Então as coisas começaram a mudar. José estranhou quando Sandra passou a se enfeitar e a exigir dele coisas que antes não pareciam lhe fazer falta, como roupas e sapatos da moda, e tantas outras coisas que ele considerava supérfluas, quase sempre ligadas a beleza a vaidade. A mudança no comportamento de Sandra continuou e ela aos pouco foi se afastando dos amigos do casal. As crianças passaram a ocupar um lugar secundário na vida de Sandra e sentindo-se rejeitadas, se apegaram ainda mais ao pai. O tempo passando e Sandra cada vez mais ausente. José pressentiu a traição. Observava a mulher enquanto esta se enfeitava para sair e via nos seus olhos o vulto de outro homem. Respirava fundo e se refugiava no carinho dos filhos. Fazia de tudo para se mostrar impassível. Não. Ele jamais deixaria que Sandra notasse o quanto ele sabia do que ela tentava esconder. A cama se tornara grande demais para os dois e José fingia adormecer no sofá. No dia seguinte pedia “desculpas” a mulher pela sua falta. José soube de Juarez. Soube por boca de amigos preocupados com a vida que Sandra estava levando. E choviam informações:
—Tem um tal de Juarez por aí dando em cima das mulheres dos outros, compadre. O senhor ta sabendo de alguma coisa?
—É claro que não! Eu não estou sabendo de nada. Também compadre eu não tenho muito tempo para essas coisas. As crianças me tomam um tempo danado. Aliás, eu tinha me esquecido que prometi a Mariana que ia ajudar ela nos deveres da escola! Outra hora a gente conversa!
E José saía pela tangente. Aquele assunto realmente era difícil para ele. E morria de inveja dos compadres que não estavam passando por esse tipo de problemas. Foi assim que tudo teve início.

Sandra não agüentava mais as “traições” de Juarez. Todos os dias, ouvia comentários sobre suas novas paqueras e aventuras. Estava decidida a por um fim naquilo e pela milésima vez iniciou uma discussão. Juarez reagiu como sempre fazia e as ofensas eram recípocras. Sandra estava desnorteada. Queria que o amante negasse e lhe pedisse desculpas, como fazia no inicio do relacionamento, mas desta vez a coisa foi diferente. Juarez não só confirmou os boatos, como ameaçou terminar tudo entre os dois. Num acesso de raiva, Sandra se armou com um pé de cabra e com golpes fortes e certeiros acabou com a vida de Juarez. O sangue se espalhou pelas paredes, pelo chão e respingou toda a sua roupa.

Enquanto isso, em casa, José esperava. Estranhando a demora da mulher saiu a sua procura. Há tempos sabia que ela tinha um amante e evitava se pronunciar sobre o fato. Amava em demasia aquela mulher e faria de tudo para continuar com ela. Sabia perfeitamente aonde ela costumava se encontrar com o amante.
Juarez tinha uma pequena casa numa outra vila não muito distante dali e era lá que Sandra costumava se encontrar com ele. Sandra bem que poderia escolher um local mais distante do local onde morava com o marido e os dois filhos para se encontrar com o amante, mas era imatura demais para ter cautela. Juarez era um mulato jovem, boa pinta e aventureiro. Vivia dando em cima das mulheres alheias e se vangloriava disso.
Algumas vezes, com o peito quase arrebentando de ciúmes, José havia planejado a morte daquele rapaz e até imaginava de que maneira acabaria com ele. No final, sorria satisfeito com o seu feito e a morte “imaginária” de Juarez. Mas os filhos sempre o traziam de volta a realidade. Jamais poderia olhar as crianças de frente se um dia se tornasse um assassino. Não era isso que queria para si e seus filhos mereciam sorte melhor. Já não contavam com a atenção da mãe que vivia dizendo “não ter tempo” para eles e caso José fosse preso quem iria cuidar dos mesmos? Com todas essas indagações bailando em sua cabeça José saiu de casa e se dirigiu ao endereço de Juarez. Já estava escurecendo e José se aproveitou disso para chegar sem ser visto. Para a sua sorte as mulheres que sempre se sentavam na entrada da vila para dar uma “olhadinha” na vida de quem passava, estavam entretidas com o jantar e com as novelas. José se aproximou com cautela. O que iria dizer a mulher? Teria que ser forte e fingir que não sabia de nada. Tentaria fazer de conta que estava ali por acaso. Falaria apenas o necessário e sairia dali o mais rápido possível, pois não queria ver a cara de Juarez. Bateu levemente na porta. Procurava ser discreto. Ouviu um barulho e teve certeza de que havia alguém na casa. Chamou pela mulher em voz baixa:
—Sandrinha, sou eu José. As crianças estão esperando...
Falou se virou para ir embora. Não daria a Juarez a chance de ver o seu semblante de marido traído, de “corno sabido”. Mas a porta se abriu e Sandra o puxou pelo braço.
—José, que bom que você está aqui! Foi Deus quem mandou você!
Sandra estava pálida e desfigurada. Suas mãos estavam frias e trêmulas. Continuava a puxar José pelo braço e José desconfiou que algo de muito ruim devia ter acontecido entre Sandra e Juarez. Sem se dar tempo para pensar ele seguiu a mulher para dentro da casa. Assim que ele entrou, Sandra fechou a porta e praticamente o arrastou para os fundos da residência. Ao se dar conta do que havia acontecido, José engoliu em seco. Juarez estava caído numa poça de sangue. tinha um enorme ferimento na cabeça e aparentemente estava morto. Sandra, gesticulava e esfregava as mãos sem parar enquanto repetia:
—Eu não queria. Eu juro que não queria fazer isso...
José se abaixou e examinou o corpo. Juarez realmente estava morto. Levantou-se e olhou com atenção para Sandra. Em seu vestido e em suas mãos havia vestígios de sangue.
José não era um homem violento. Além de tudo era uma pessoa honesta. A primeira coisa que lhe passou pela cabeça foi ir com a mulher a delegacia mais próxima para que ela se entregasse. Sandra captou a intenção no olhar do marido e se desesperou:
—Não José! Por favor não me denuncie. Eu preciso que você me ajude. Será que você não está vendo como eu estou me sentindo? Se você me denunciar eu vou ser presa e quem vai cuidar dos nossos filhos?
Pela primeira vez na vida José sentiu vontade de bater em Sandra. Como ela podia se valer de um argumento tão baixo como aquele? Logo ela que nunca havia se importado com as crianças e que sempre fez questão de tratá-los como estorvo. Aquilo não era justo. Sandra merecia ser castigada pelo seu crime e José sabia perfeitamente disso. Bastava apenas que ele se armasse de coragem e fizesse a coisa certa. Sandra sentou-se num canto e começou a chorar. Chorava como uma criança que quebrara o seu brinquedo preferido. Jose sabia muito bem o motivo do seu choro, porém era um homem piedoso e não podia deixar de sentir pena de Sandra. No mais completo silêncio pegou o pedaço de ferro que Sandra usara para bater na cabeça de Juarez levou para o banheiro e começou a lavar. Depois com um pano de chão limpou todas as manchas espalhadas pelo chão e pelas paredes onde as mãos e as impressões digitais de Sandra pudessem aparecer. Segurou o ferro com um pano e colocou outra vez ao lado do corpo. Ajudou a mulher a se recompor e a limpar bem o vestido. José deu a idéia: Os dois ficariam ali até que os vizinhos adormecessem e só então sairiam. Ficaram ali, por muito tempo abraçados sem dizer palavra. Sandra vez por outra, soluçava cabisbaixa e em silêncio. Tarde da noite saíram sem que ninguém os visse e foram para casa. Quando chegaram em casa as crianças já estavam dormindo. Eles sabiam que podiam contar sempre com a ajuda da vizinha e amiga de longa data, Neide. Neide gostava muito das crianças e sempre que necessário cuidava delas. Nessa noite José não conseguiu pregar o olho. Ficou deitado no escuro com a cabeça no travesseiro dando voltas e mais voltas no pensamento... Sandra por sua vez assim que conseguiu se deitar adormeceu. Às vezes se mexia e abria os olhos, assustada. Nesses momentos José estava ali com o seu abraço e o seu silêncio acalmando a mulher.
Já era quase meio dia quando a notícia chegou através de Neide:
—Sabe o Juarez? Aquele safado que adorava pegar as mulheres dos outros? Pois é! Foi pros quintos dos Infernos. Foi bem feito! O infeliz teve o que merecia.
Além de algumas mulheres da vizinhança que se sentiam “enviuvadas” os homens e as pessoas de bem daquele local não estavam muito pesarosas com a morte de Juarez. Para o delegado “um crime tipicamente passional”. Algum marido traído fizera o serviço.
Sandrinha procurava demonstrar naturalidade. Passou o dia brincando com as crianças. Quase não botou a cara na rua. Neide chegou até a brincar:
—Que é isso mulher? Viu passarinho verde hoje, é?
José ao chegar do serviço encontrou uma Sandra diferente. A casa estava arrumada e as crianças de roupa limpa. No fogão a janta se anunciava. Abraçou as crianças e deu um beijo na esposa. Por um momento teve a impressão de que ela lhe retribuiu. Mas qual o que! Devia ser sua impressão. À noite na cama Sandra fez questão de dormir quase colada a José. José estremeceu de felicidade. Afinal há muito tempo não tinha esse prazer com a esposa.
Os dias foram passando e a vida de José e de Sandra aos pouco foi voltando ao normal. Ela já saía de vez em quando, mas quase sempre levava uma das crianças com ela. Um dia saiu para fazer umas compras e não levou as crianças. Já faziam mais de quatro meses que Juarez havia morrido e ela resolveu se aventurar e passar perto do local onde tudo havia acontecido.
Achou estranho. A casa estava ocupada por uma jovem mulher loira e duas crianças pequenas. Um menino de mais ou menos dois anos e uma menina ainda de colo. Como Sandra passava muito perto da porta a mulher lhe sorriu. Sandra retribuiu e aproveitou para brincar com a menina que a mulher segurava nos braços. Por um momento percebeu no rostinho da mesma os traços de Juarez. Sandra não queria acreditar. Não! Não podia de maneira nenhuma ser o que ela estava pensando. Num impulso perguntou?
—A menina é filha do falecido Juarez? Parece tanto com ele...
A resposta veio em tom de lágrimas:
—É. Eu sou a esposa dele. E pensar que minha filha não vai nem poder conhecer o pai direito. Nem ela nem o menino.
A frase ficou solta no ar. Sandra sentiu o chão fugir dos seus pés. Precisou de muita força para não cair. Pensava com seus botões: Esposa? Juarez então tinha uma esposa? Isso não era possível. Ele sempre lhe dissera que era solteiro e inúmeras vezes havia lhe pedido para abandonar o marido e se casar com ele... Então... era tudo mentira. Ele lhe enganara durante todo aquele tempo. E ela pensando que apesar de não ser a única em sua vida, era amada de verdade... Sim porque ela sabia de alguns dos seus casos, porém ele sempre dizia que eram casos sem nenhuma importância e era a ela, Sandra que ele amava. E ela acreditava piamente em tudo o que ele lhe dizia. Que idiota ela havia sido! Suas faces estavam sem cor e a moça notou:
—Está se sentindo mal? Quer sentar um pouco? Sandra pensou rápido e respondeu:
—É que eu ando com uns sintomas que parecem gravidez... de vez em quando sinto umas vertigens inesperadas, mas já estou bem. Na verdade tinha muita pressa em fugir dali.
—Fique com Deus e boa sorte para você e para as crianças.
Se afastou do local o mais rapidamente possível. Na cabeça as idéias se misturavam num verdadeiro redemoinho. Aquela mulher e sobretudo aquelas crianças (agora sem pai) eram o retrato da sua loucura e insensatez. Sandra se dava conta do tamanho da loucura que havia cometido. Havia tirado a vida de um homem por nada! Na verdade o seu crime não poderia ser classificado e nem mesmo ser considerado “um crime por amor” já que Juarez não lhe pertencia e (agora ela sabia)que entre eles não havia “amor”. Ele era por lei e por direito casado com aquela mulher que era a mãe dos seus filhos. E ela? Quem era ela na vida de Juarez? O que ela havia representado na vida dele? Ela era apenas mais uma das tantas que ele, usando de toda a sua maestria enganava. E agora ela estava ali. Uma assassina que se deixara dominar por um ciúme doentio e sem nenhuma razão de ser. Sem saber de onde, uma frase bailava em sua mente como se fosse uma espécie de oração:
“Às vezes se mata alguém por nada...”
Pensou nos próprios filhos e seu coração se apertou. E se fossem os seus filhos que ficassem privados da companhia do pai devido ao ato insensato de alguma louca enciumada? Naquele momento Sandra sentiu o verdadeiro peso dos seus atos. Quis correr para os braços de José, porém ainda estava distante de casa e José provavelmente estava no serviço.
Na sua agonia havia caminhado sem rumo durante algum tempo e agora percebia que se distanciara de casa. Estava em frente a uma pracinha e aproveitou para se sentar e descansar um pouco. Sandra sentiu as lágrimas chegando e se controlou. Não podia chorar em público. Sabia que podia estar sendo observada por alguém e não podia correr o risco de que seu crime fosse descoberto. Retomou o rumo de sua casa. Precisava se sentir segura. José ainda não havia chegado e as crianças também não estavam em casa. Sandra se sentiu feliz pela ausência dos filhos, mas queria muito que José estivesse ali do seu lado.
Deitou-se na cama e como num filme reviu toda a sua aventura com Juarez e se perguntava: Como pudera ser tão inconseqüente e leviana a ponto de não valorizar o seu marido, um homem (que só agora ela percebia) tão amigo e companheiro? Com o coração repleto de ressentimento e remorsos, Sandra adormeceu.
Neide trouxe as crianças da escola e encontrou Sandra dormindo.
—Acorda mulher! Acorda pra vida!
Sandra, ainda sonolenta recebeu com carinho o beijo dos filhos. Levantou-se e teve o cuidado de arrumar a cama com todo capricho. Depois de tomar um banho demorado, foi preparar o jantar. Queria mais do que nunca, agradar o marido. Esta noite, quando José chegasse encontraria além do seu prato preferido, a mulher apaixonada e dedicada com quem ele se casara. Neide percebeu o brilho do seu olhar e ainda brincou:
—É. Eu acho que hoje vou ter que ir para casa mais cedo! Parece que os dois pombinhos vão querer ficar sozinhos... É alguma data especial que eu estou me esquecendo?
Sandra sorriu e respondeu:
—Não, Neide. Não é nada de mais. É apenas o milagre do amor entre duas pessoas que se amam... É só isso.
Neide saiu pensativa, mas feliz. Sabia que alguma coisa havia mudado na vida de Sandra e José desde a morte de Juarez.. E havia mudado para melhor. Neide estava feliz, em ver como o casamento dos dois estava se recuperando. Quanto ao resto... Bom! O resto não importava muito, já que boatos e maledicências existem em toda a parte. Pra que estragar a vida deles com fofocas sobre o falecido? Era muito melhor deixar os mortos descansarem em paz! Se bem que ela tinha dúvida sobre o “descanso” de Juarez. Mas isso era pra Deus e não ela se preocupar.

domingo, 18 de outubro de 2009

Essa foi pelos 500 anos de Brasil. É bem velhinha, né? Fazer o que se tudo passa? O melhor é que a vida sempre vale a pena.

Brasil. Um país de todas as idades
Luiza França dos Santos Mello



Ao chegarmos ao final do segundo milênio,chegamos ao mesmo tempo a um marco, importante da nossa história.
Os quinhentos anos do nosso país, o Brasil.
Brasil que durante mais de quatro séculos, tem sido o berçojavascript:void(0) esplêndido de inúmeras gerações.
Brasil que nos seus quinhentos anos é ainda um menino.
Menino e va-idoso. Idoso bem conservado, consciente do seu passado bem vivido.
De sonhos, lutas e vitórias tantas, conquistadas com afinco. Com a garra de um vencedor.
Brasil que,quando menino, (lá pelos idos tempo do Império) sempre se notabilizou, porque além de ser um país grande, era sim um grande país onde a flora e a fauna exuberante se expandiam com incomparável beleza.
E dessas terras cheias de riquezas, voam notícias que chegam longe enchendo de deslumbramento os olhos de outros povos de além-mar.
E ele, impávido, colosso vai crescendo, se agiganta.
Abraça o índio, o branco, o negro, o ameríndio, o árabe, os orientais e nesse abraço se engrandece, se ufana, se fortalece e segue sua jornada em busca da liberdade.
E esse país grandioso, do norte ao sul sem barreiras, deixa brotar a esperança, a fé no coração de todos os seus filhos. Brasileiros patriotas que convivem na mais perfeita união.
Do Oiapoque ao Chuí, todo povo é irmão.
Velhos, jovens e crianças.
No olhar do velho, o passado nos traz até o presente.
No olhar do jovem a perfeita consciência,
de que, se não existisse o passado, não haveria o presente.
E presente no sonho de todas as crianças,
a idéia de um futuro melhor.
E assim, em cada lugar, em cada vilarejo,
em cada cidade, teus filhos te saúdam.
Parabéns, Brasil!
Brasil de quem ainda está para nascer.
Brasil de quem acabou de nascer.
Brasil de quem está começando a engatinhar.
Brasil de quem já aprendeu a andar.
Brasil de cores e de caras mil.
Brasil de quem estampa no rosto as cores da bandeira
E sai às ruas e luta contra os preconceitos,
pelos seus direitos.
Brasil de pais e mães, tios, avós...
Seja feliz, Brasil! Prosperidade!
Brasil! País de todas as idades.

domingo, 20 de setembro de 2009

Minha primeira tentativa de trabalho.

1961

Tenho uma história de vida repleta de sofrimento e de dificuldades e nunca consegui superar minhas dores e meus temores. Até tentei acompanhar o mundo em sua correria, porém, por mais que me esforçasse acabava sempre ficando para trás. Foi assim na escola e no trabalho. Aos treze anos e ainda sem ter concluído o antigo curso primário, resolvi trabalhar. Ansiava por me tornar independente financeiramente e pensava também em ajudar minha mãe. Todos os dia olhava os classificados dos jornais e quando tinha algum dinheiro sobrando ia atrás de algum anúncio. Com a ajuda de uma amiga consegui uma vaga de Empregada Doméstica no bairro do Méier. A casa era grande e o quarto de empregada ficava nos fundos totalmente independente e separado da casa. Eu teria que dormir sozinha. Durante todo o dia eu me esforcei para acreditar que não sentiria medo de dormir sozinha.A noite chegou e às dez horas eu fui "convidada" a me retirar. Passei quase toda a noite em claro, rolando de um lado para o outro e o dia me encontrou trêmula e sonolenta. Por sorte minha mãe apareceu para me levar de volta para casa, já que eu havia saído sem o consentimento dela. A patroa não teve como argumentar e eu caindo de sono, acompanhei minha mãe. Meses depois encontrei um anúncio de “Demonstradora”. Não pedia experiência e fiquei esperançosa. O escritório ficava em Madureira e depois da entrevista me deram uma bolsa cheia de sabonetes revestidos com uma embalagem promocional onde havia o nome de uma instituição para crianças carentes. Eu tinha que sair pelas ruas batendo de porta em porta e vender o produto. No final do dia devolveria o que não houvesse vendido e receberia o pagamento pelos que houvesse vendido. Saí pelas ruas do bairro e fui me distanciando. Andei por Osvaldo Cruz e Bento Ribeiro. Estava com pouco dinheiro e queria poupar o mesmo para a passagem dos dias seguintes. Por volta das duas horas da tarde comecei a me sentir mal e precisei parar. Sentia tonteiras e estava com fome. Entrei num barzinho, pedi um pouco de água ao homem do balcão e me sentei para descansar. O sol estava forte e o calor era grande. Com um pouco de má vontade ele me deu a água. Eu bebi e aos pouco me reanimei. Mas ainda sentia fome e resolvi fazer um lanche. Pedi um pão com mortadela e um refrigerante. Ofereci a ele um dos sabonetes, mas ele não quis comprar. Disse que não acreditava que o dinheiro fosse mesmo para a tal instituição e que aquilo era fraude. Aliás, quase todas as pessoas a quem eu oferecera o produto disseram a mesma coisa. Resolvi voltar e fiz um caminho diferente. Quem sabe agora na volta eu não dava mais sorte? Quando cheguei o escritório estava quase fechando. A moça conferiu o número dos sabonetes, me olhou com pouco caso e me disse:

—Se quiser volte amanhã. Vamos ver se você consegue sair do zero!

Cheguei em casa super cansada. Já estava anoitecendo. Contei a minha mãe sobre o emprego e ela como sempre, fez pouco caso:

—Você vai agüentar andar de porta em porta oito horas por dia? Só eu vendo pra crer! Tomara que isso não resulte em mais problemas pra mim! Ela se referia a minha saúde que sempre estava a me pregar peças e era ela quem, querendo ou não tinha que arcar com os meu remédios. Tomei um banho rápido e me deitei. Meus pés e minhas pernas doíam bastante e procurei descansar. As dores mais fortes eram no calcanhar e durante a noite precisei pedir a minha mãe para esfregar Alginex nos meus pés. Não preciso dizer que no dia seguinte não voltei ao trabalho. Me senti tão envergonhada com a minha fragilidade que nem fui buscar minha Carteira Profissional. Pedi a uma menina minha amiga para pegar, mas fiquei triste em descobrir que trabalhar não era tão fácil como eu havia imaginado.

terça-feira, 14 de julho de 2009

A FRAGILIDADE INFANTIL DENTRO DE UM NOVO CONTEXTO DE VIDA

Até o final do século passado, criança era apenas criança. Um ser inocente, e despreparado para a vida e todos os seus perigos. Normalmente viviam cercados de adultos que invariavelmente tomavam conta de todos os seus atos feitos e efeitos, não importando se eram os pais, os tios, vizinhos ou apenas conhecidos, todos se sentiam responsáveis por esses seres considerados indefesos, para o bem de todos e felicidade geral da nação. Quando isto não acontecia coisas imprevisíveis podiam suceder, como tomarem remédios indevidos ou beberem produtos de limpeza (que ocasionalmente podiam levar ao óbito) ou se acidentarem com o uso indevido de objetos perigosos como facas, tesouras, fogo e coisas afins que também ocasionavam sérios problemas. Mas o século passado se foi e um novo tempo se fez presente trazendo com ele uma nova idéia de que os adultos estavam errados e que as crianças não eram assim tão inocentes e indefesas quanto pareciam e que mereciam e deviam ser respeitadas tanto quanto um adulto. Seus desejos e suas vontades deveriam ser satisfeitos para que traumas futuros fossem evitados, conclusão: foi dada a criança o pleno poder da decisão. E assim ela decide aonde quer ir, o que quer ou não quer comer ou vestir, se quer ou não quer isso ou aquilo e etc. Aos pais (e apenas aos pais) foi dado o poder de dialogar e tentar dissuadir a criança de fazer alguma coisa inadequada. As pessoas de fora (e isso inclui tios, padrinhos, vizinhos, parentes e conhecidos) cabe apenas observar. Concordar ou não é possível, desde que não se ouse manifestar a opinião. Li um livro de ficção científica nos anos 70 onde cientistas preocupados com a sorte dos sobreviventes ao Apocalipse (Armagedom) criaram uma ilha habitada apenas por crianças superdotadas onde o líder tinha apenas 12 anos. Eles decidiriam a sorte do mundo após 3ª guerra mundial. E essa decisão se transformou numa experiência desastrosa, pois sem a maturidade necessária, essas crianças se transformaram em verdadeiros tiranos agindo com requintes de crueldade assustadora, muito superior aos dos líderes que deflagraram a 3ª guerra. Infelizmente não me recordo o título do livro mas, assistindo ao desenrolar de acontecimentos tão chocantes onde a criança, além de algoz se tornou vítima de sua própria imaturidade transformando-se em alvo do descaso a que foi relegada me pergunto se não seria bom voltarmos ao passado. No mundo atual, se não há ordem, a quem obedecer? Se não há limites por que deixar de fazer isto ou aquilo? Tudo lhe é permitido desde que ela queira. E os pais (detentores dos poderes reais de sua proteção) se tornaram mero coadjuvantes das vontades dos filhos. Perdeu-se a hierarquia e numa mesma família todos mandam e poucos obedecem. Em função desse novo tempo estamos diante de conflitos distintos onde as crianças (e apenas elas) recebem de forma absurda os castigos que essa nova era de permissividade lhes outorgou. São “esquecidas” dentro de veículos, caem, se jogam ou são atiradas das janelas dos apartamentos, são abusadas ou violentadas por adultos sem escrúpulos e por mais que o ECA e todas as cartilhas sobre direitos humanos preguem o direito da criança de ser criança, isto não é cumprido ou olhado com seriedade por quem de direito, pois continuam a bombardear as crianças com informações sobre assuntos que ela ainda não tem como digerir e o caos se instala na casa de qualquer família onde uma menina de cinco ou seis anos pede ao pai para “colocar uma sementinha” dentro da sua genitália “como ele faz com a mamãe”. Ou onde uma outra criança depois de assistir a uma cena “quente” na TV pede ao porteiro do prédio para fazer com ela o que o mocinho da TV fez com a mocinha. Outra criança resolve praticar sexo com o menino ou a menina mais próxima, não importando se é irmão, irmã ou filho do vizinho. Uma menina resolve sair do banheiro despida, apenas para observar se o pai tem ereção ao vê-la... enfim, em termos de sexo elas estão providas de informações que eu, aos 16 anos ainda não tinha. Quanto a pular da janela, qual é a idéia real que uma criança faz disso? O que significa “morrer” para ela? Na maioria das vezes castigar a mãe ou o pai por ter se recusado a atender a algum dos seus pedidos. Ela sabe que o pai ou a mãe irá chorar e isso é o que importa. Temos finalmente um mundo moderno atual e globalizado onde não há lugar para a inocência. Todos temos pressa. Uma pressa insana e indevida de chegar a nenhum lugar e as nossas crianças estão pagando um preço alto por isso. Meninos sendo transformados em travestis, meninas se prostituindo e tendo como prática normal, coisas que muitas prostitutas de carteirinha não faziam, crianças sendo geradas por outras crianças, meninas dando à luz antes mesmo de atingir a puberdade... coisas absurdas incompreensíveis para quem como eu nasceu no século passado e pode desfrutar do carinho e proteção dos seus pais e de todos os mais velhos da rua e da comunidade. De quem nasceu num tempo onde não se dizia palavrão perto de uma criança, por se acreditar que ao lado de todas eles existia um Anjo da Guarda pronto para protege-la, figura esta representada de várias formas e estampada em quadros à beira do berço e até nas varandas de algumas casas. Religião á parte, acho que o respeito a criança é devido e eficaz, mas o respeito humano e não o respeito as suas tenras vontades ainda desabrochando. O respeito ao seu (repito) direito de ser criança e acreditar em Cegonhas e Papai Noel. Aliás, retiraram essas crenças do universo dos pequeninos, mas permitiram que as Nárnia e os Harry Porter da vida povoassem o seu mundo. Onde está a coerência desses atos? A quem reclamar? O tempo irá nos contar em páginas chocantes sobre a fragilidade das crianças do século 21 num mundo globalizado e omisso.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

A menina Terezinha

Terezinha faz parte das minhas lembranças de infância. Morava numa casa vizinha a nossa com uma senhora de até hoje não sei ao certo se sua mãe ou sua avó, devido a aparência que tinha. Na época eu estava com oito anos de idade e a vida se resumia em brincadeiras e estudo. Mais brincadeiras do que estudo, pois estudávamos apenas durante quatro horas e o nosso dia (apesar de menos longo que os das crianças de hoje) tinha início às seis horas da manhã e terminava inexoravelmente às nove da noite. Assim sendo, tirando-se o tempo gasto com banhos e refeições, o restante era usado em brincadeiras como casinha de bonecas, pique esconde, pique pega, pique-cola, e amais romântica que era brincar de roda onde formávamos um grande círculo e cantávamos cantigas diversas onde príncipes reis e rainhas tomavam vida. Morávamos numa avenida de casas e o nosso grupo era composto de cinco meninas todas variando entre oito e nove anos. Terezinha tinha então doze anos. Corpo de mulher e alma de criança. Ficava por momentos nos olhando do outro lado da cerca que separava a avenida de casas em que morávamos da sua casa e quando encontrava algum tempo, pulava a cerca e vinha se juntar a nós. Eu gostava daquela menina grande e de olhos tristes e bonitos. Ela com sua “experiência” de mais velha nos ajudava a organizar melhor as brincadeiras. Era meiga e isso nos cativou. Ficávamos à mercê das suas idéias e seguíamos as suas orientações. Porém alguma coisa em sua vida era diferente da nossa. Ficava conosco por pouco tempo, pois logo a velha senhora a chamava e saía correndo e ia atendê-la. Ai a nossa brincadeira tomava outro rumo. Sem a sua presença tínhamos de improvisar e dar continuidade a ação. Quando lhe sobrava um tempo ela aparecia na porta dos fundos de sua casa e de lá ficava a nos observar. Então nós fazíamos de tudo para não decepcioná-la. Era assim o nosso relacionamento com ela. Poucas palavras e aceitação irrestrita de suas idéias. Sem que houvesse entre nós nenhuma combinação, procurávamos brincar sempre no mesmo lugar para que ela nos visse, pois tínhamos a esperança de que viesse ao nosso encontro. Nem sempre isso acontecia. Às vezes ela chegava até a porta, nos olhava durante algum tempo e depois voltava aos seus afazeres. Numa dessas ocasiões, observamos que em sua casa estava acontecendo uma grande discussão. A senhora dizia coisas horríveis em voz muito alta e uma voz de homem retrucava. Terezinha estava chorando e nós todas estávamos ouvindo. O homem então apareceu nos fundos da casa. Estava com muita raiva e esmurrou uma arvore próxima a porta. Nós ficamos muito sem graça e saímos dali. Logo ficamos sabendo através das conversas de nossas mães: Terezinha estava grávida! Gravidez naquela época era coisa de casal. Mulheres casadas e mais velhas é quem tinham o direito de falar discutir o assunto. Moças (virgens) e meninas, nem pensar! Se Terezinha estava grávida alguma coisa estava muito errada, pois ela não era casada. Como poderíamos entender? Ficamos sem entender e não comentamos o assunto. Apenas ficávamos olhando em direção à porta de sua casa na esperança de que ela nos visse e viesse nos fazer companhia e nos explicar o que estava acontecendo. Durante alguns dias não vimos Terezinha e quando ela finalmente apareceu, estava totalmente desfigurada. Tinha no olhar uma tristeza muito profunda. Um mixto de melancolia e dor. E nos olhava com tanta intensidade, sem nos dar nem ao menos um sorriso. Aliás, nunca mais a vimos sorrir. Algum tempo depois nossas mães comentaram o casamento de Terezinha. Fomos para a cerca, pois queríamos vê-la vestida de noiva. E vimos quando ela apareceu vestindo um vestido azul (esperávamos que fosse branco) mais curto na frente, pois a barriga fazia com que a cintura ficasse mais alta. O homem, o mesmo do dia da discussão também estava lá. Vestia uma camisa de seda e dava ordens tanto à Terezinha como a sua mãe. Eu, particularmente não gostava dele. Tinha cara e jeito de mau. E devia ser mau mesmo, pois fizera mal a minha amiga Terezinha. O tempo foi passando e nós, as meninas da avenida sempre na espreita. Não nos conformávamos com o que estava acontecendo com Terezinha. Seus seios estavam enormes e sua barriga também estava crescendo muito. E o pior é que ela estava cada dia mais branca e mais magra. Quase não aparecia nos fundos da casa. Acho que não saía nem mesmo para tomar sol. Com a barriga aumentando ela passou a nos observar sentada numa cadeira. Reparei que tossia muito e estava sempre com um lenço na mão que nos acessos de tosse levava à boca. Tentávamos disfarçar a nossa inquietação diante de Terezinha e quando percebíamos que ela nos observava, assumíamos ares de crianças felizes e despreocupadas. Era a nossa maneira de dizer a ela que ainda esperávamos por ela, no entanto, havia no seu olhar um que de despedida, de adeus que também nos deixava triste. Embora crianças, conseguíamos compreender que Terezinha estava sofrendo. Nossas mães tentavam nos “proteger” ocultando ao máximo as dores e infelicidades do mundo. Naquela época criança só se preocupava com coisas de criança. E nós íamos como que descobrindo, desbravando o mundo e todo o mal que nele há. Afinal, Terezinha deu à luz! Era uma menina. E nós fomos para a cerca para ouvirmos o seu choro. Queríamos ir visitar Terezinha, mas havia entre nós um código silencioso que nos impedia de transpor as ordens vigentes e invadir o mundo dos adultos. Passamos dias esperando até que Terezinha voltou a aparecer. Levamos um susto ao vê-la. A barriga havia desaparecido, mas os seios continuavam enormes. Estava muito mais magra que antes e andava com dificuldade carregando uma criança nos braços. Ao ver que nós a observávamos, abaixou a cabeça e entrou. Foi a última vez que vi Terezinha com vida. Dias depois ela faleceu tinha completado treze anos e deixava uma filha recém-nascida para que aquela velha senhora criasse. O nosso código silencioso funcionou mais uma vez e deixamos de brincar naquele ponto da cerca. Nunca sequer comentamos entre nós sobre o acontecido. Agíamos por intuição e talvez compulsão. Éramos muito meninas para entender o sentido exato daquele acontecimento, no entanto a lembrança de Terezinha ficou em nossos corações como uma menina de quem a sorte esqueceu. E ainda hoje, quarenta e oito anos depois, esses acontecimentos permanecem vivos na minha memória.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Em Busca do Humanismo

Em busca do Humanismo Já!

Não gosto muito de novelas, mas vez por outra assisto um ou outro capítulo da novela Caminho das Índias, até como forma de me aculturar um pouquinho mais. Gostaria de conhecer outros povos e outros costumes, mas isso é para mim uma utopia. Assim sendo, vou garimpando um pouquinho de informação aqui, outro ali e as novelas da Globo, vez por outra nos brinda com cenários e imagens interessantes de terras distantes. Achei interessante o capítulo em que Opash falava sobre a rejeição de uma criança especial por sua mãe adotiva e onde dizia que: "se uma criança nasce com defeito é porque os deuses resolveram visitá-la" e condenava a atitude dessa mãe.

A notícia de que uma menina nascida com dois rostos era tratada como deusa na Índia, não é recente e me veio à memória me fazendo repensar a nossa cultura onde valorizamos apenas o belo e aquilo que consideramos perfeito.

Por aqui se uma mãe dá a luz uma criança especial ou com algum problema de má formação, logo ela sofre discriminação e tem que conviver com o despreparo e distanciamento de amigos, parentes e vizinhos que em sua grande maioria passam a evitá-la (e também ao bebê). Nos países asiáticos acontece o inverso: aquela mãe e aquela criança são alvos de grande atenção. Por serem consideradas deuses e deusas essas crianças são tratadas com todo o carinho e respeito recebendo inúmeras visitas e muitas vezes suas famílias recebem doações que auxiliam no seu sustento.

Infelizmente ainda não somos capazes de entender esse tipo de comportamento e dificilmente nos sentiríamos à vontade diante de uma criança com tão grande “imperfeição” física.

Acho bom que um assunto como este seja levado ao ar para que sirva pelo menos, de um tema para reflexão. Precisamos sim, refletir sobre nossos valores e quem sabe repensar nossas atitudes em relação ao diferente que sem sombra de dúvida merece de nós todo respeito e a aceitação que a sua simples condição de ser humano requer.

Nem que para isso seja preciso resgatar outras idéias e aceitar outras filosofias e religiões que primem pelo humanismo.