sábado, 14 de maio de 2011

A Morte Forçada de Liana


A primeira vez que Liana sentiu vontade de morrer, foi aos quinze anos. A mãe havia saído e quando isso acontecia ela aproveitava para ouvir os seus discos de “rock and roll”. A vitrola ligada no último volume e ela dançando sem parar se imaginando numa pista de dança ou num palco. Outras vezes era a música italiana que lhe fazia feliz. Liana adorava cantar e conseguia imitar a cantora Rita Pavone com perfeição. Dançando e cantando, cantando e dançando. Nesse dia tudo era alegria, mas de repente Liana sentiu um enorme vazio no coração. Parou imediatamente de dançar e olhou em volta. Estava sozinha e nada havia acontecido para que aquela sensação de angústia se apoderasse do seu peito. Liana sentiu a cabeça rodar e sentou-se no sofá. Colocou as mãos no rosto e começou a chorar. O som continuou rolando enquanto Liana chorava. Seus soluços eram fortes e ressentidos. Uma voz que ela não sabia de onde vinha teimava em lhe perguntar:
— Você é feliz? Isso é felicidade?Responda! Você está tentando enganar a quem?
Parecia que todas as dores e tristezas do mundo haviam desabado sobre os seus ombros. E alguma coisa, (talvez fosse a mesma voz que ela não sabia de onde vinha) lhe dizia:
— Por que você não morre e acaba logo com isso?
Liana continuou chorando por um bom tempo. Sabia que podia dar vazão a sua dor, pois estava sozinha em casa e nunca apalavra “sozinha” foi tão literalmente significativa como naquele dia.
Aos pouco, Liana parou de chorar. Estava confusa e imensamente triste. Desligou a vitrola, guardou os discos e ficou pensando no incidente.
Depois, vieram outros episódios parecidos, onde Liana repentinamente penetrava num mundo sombrio onde a morte estava sempre a lhe acenar.
Aos quinze anos Liana descobriu que tinha motivos de sobra para se sentir infeliz.
A mãe a rejeitara desde que nascera e aos cinco anos a abandonara. Aos nove anos foi afastada do pai, não tinha irmãos e sofria toda a sorte de discriminação por ser negra. Para completar o quadro negro de infelicidades que pintava, era uma menina de saúde e personalidade fracas e com isso atraía toda a sorte de fracassos e dificuldades para a sua vida.
As pessoas não percebiam e confundiam a sua falta de motivação e sua tristeza com “bons modos” e “recato”.
Liana ia completar dezoito com um peso maior na bagagem. Estupro, espancamento e uma gravidez acidental e indesejada. Ouvir música tinha ficado para trás. Liana sofria em silêncio e se desesperava com os problemas. Uma dor muito forte e real lhe fazia chorar amargamente. Não queria dar a mãe o desgosto de lhe ver grávida. Não queria dar à luz àquela criança indesejada e sem futuro. Liana se convenceu que naquela situação só a morte poderia lhe ajudar. E começou imaginar uma maneira de cometer o suicídio sem deixar pistas. Achava que uma morte acidental ou que parecesse natural, traria menos sofrimento para a sua mãe. Liana ainda não sabia que dor de mãe não tem tamanho. E liana esperou.
Aproveitou um dia em que a mãe saiu e deu início ao seu plano.
Trancou as portas e fechou as janelas. Pegou uma de suas revistas e foi até a cozinha. Primeiro Liana abriu a torneira do gás e todas as bocas do mesmo. Puxou uma cadeira e sentou-se na frente do fogão. Colocou a revista em cima do mesmo e se posicionou como se estivesse lendo. O cheiro de gás era forte e Liana o inalou com força. Queria ajudar a sorte. As lágrimas desciam pelo seu rosto e as lembranças de todos os maus momentos vividos lhe faziam companhia. Sentindo uma profunda compaixão por si mesma, Liana abaixou a cabeça e se apoiou nos antebraços. Soluçando ela pedia perdão a mãe. Não deixou nenhum bilhete ou carta falando sobre o seu gesto. Queria que a mãe quando a encontrasse pensasse que tudo havia sido um acidente.
O tempo foi passando e de repente as lembranças de Liana se tornaram confusas. Seu pensamento ia rapidamente de cenas acontecidas nos seus primeiros anos de vida até o presente momento. Ouvia a voz da mãe lhe repreendendo por não ter lavado os pratos.também sentia o abraço do pai antes de levá-la para a cama aos três anos de idade. Foi aí que Liana se deu conta do perigo! Estava indo embora e pensou em voltar. Mas era tarde mais. Seu corpo estava entorpecido e nenhum dos membros lhe obedecia mais. Lembrou do filho que carregava no ventre e se desesperou. Pediu perdão a Deus e a todos os santos que conhecia. Pedia ajuda e fazia promessas. Se voltasse (pela misericórdia deles) nunca mais tentaria contra a vida! Mas era tarde demais! Nada nem ninguém poderia ajudá-la. Enfim, a morte que ela tanto queria havia chegado. Num relance tudo se apagou.
A mãe de Liana encontrou o corpo da filha e quase morreu. Sua filha era tudo que tinha nesse mundo. Como sobreviveria sem ela? Os gritos da mãe de Liana encheram a casa e se espalharam até a vizinhança. E o que ela mais repetia era:
—Por quê?
Ninguém acreditou em acidente. A farsa de Liana não convenceu. Alguns vizinhos sabiam (ou desconfiavam) da sua gravidez.
Com o tempo tudo foi se esclarecendo, mas para a mãe de Liana além da saudade ficou a tristeza.  Se sentia culpada pelo gesto da filha.  E pensava:
—Se eu tivesse sido mais amiga, mais presente, mais carinhosa com a minha filha, talvez nada disso tivesse acontecido.
Infelizmente as coisas não aconteceram como Liana queria e tudo o que ela conseguiu foi acabar com a própria vida e com as vidas de pessoas inocentes como era o caso do seu filho e de sua mãe!