A primeira vez que Liana sentiu
vontade de morrer, foi aos quinze anos. A mãe havia saído e quando isso
acontecia ela aproveitava para ouvir os seus discos de “rock and roll”. A
vitrola ligada no último volume e ela dançando sem parar se imaginando numa
pista de dança ou num palco. Outras vezes era a música italiana que lhe fazia
feliz. Liana adorava cantar e conseguia imitar a cantora Rita Pavone com
perfeição. Dançando e cantando, cantando e dançando. Nesse dia tudo era
alegria, mas de repente Liana sentiu um enorme vazio no coração. Parou
imediatamente de dançar e olhou em volta. Estava sozinha e nada havia
acontecido para que aquela sensação de angústia se apoderasse do seu peito.
Liana sentiu a cabeça rodar e sentou-se no sofá. Colocou as mãos no rosto e
começou a chorar. O som continuou rolando enquanto Liana chorava. Seus soluços
eram fortes e ressentidos. Uma voz que ela não sabia de onde vinha teimava em
lhe perguntar:
— Você é feliz? Isso é
felicidade?Responda! Você está tentando enganar a quem?
Parecia que todas as dores e
tristezas do mundo haviam desabado sobre os seus ombros. E alguma coisa,
(talvez fosse a mesma voz que ela não sabia de onde vinha) lhe dizia:
— Por que você não morre e acaba
logo com isso?
Liana continuou chorando por um
bom tempo. Sabia que podia dar vazão a sua dor, pois estava sozinha em casa e
nunca apalavra “sozinha” foi tão literalmente significativa como naquele dia.
Aos pouco, Liana parou de chorar.
Estava confusa e imensamente triste. Desligou a vitrola, guardou os discos e
ficou pensando no incidente.
Depois, vieram outros episódios
parecidos, onde Liana repentinamente penetrava num mundo sombrio onde a morte
estava sempre a lhe acenar.
Aos quinze anos Liana descobriu
que tinha motivos de sobra para se sentir infeliz.
A mãe a rejeitara desde que
nascera e aos cinco anos a abandonara. Aos nove anos foi afastada do pai, não
tinha irmãos e sofria toda a sorte de discriminação por ser negra. Para
completar o quadro negro de infelicidades que pintava, era uma menina de saúde
e personalidade fracas e com isso atraía toda a sorte de fracassos e
dificuldades para a sua vida.
As pessoas não percebiam e
confundiam a sua falta de motivação e sua tristeza com “bons modos” e “recato”.
Liana ia completar dezoito com um
peso maior na bagagem. Estupro, espancamento e uma gravidez acidental e
indesejada. Ouvir música tinha ficado para trás. Liana sofria em silêncio e se
desesperava com os problemas. Uma dor muito forte e real lhe fazia chorar
amargamente. Não queria dar a mãe o desgosto de lhe ver grávida. Não queria dar
à luz àquela criança indesejada e sem futuro. Liana se convenceu que naquela
situação só a morte poderia lhe ajudar. E começou imaginar uma maneira de
cometer o suicídio sem deixar pistas. Achava que uma morte acidental ou que
parecesse natural, traria menos sofrimento para a sua mãe. Liana ainda não
sabia que dor de mãe não tem tamanho. E liana esperou.
Aproveitou um dia em que a mãe
saiu e deu início ao seu plano.
Trancou as portas e fechou as
janelas. Pegou uma de suas revistas e foi até a cozinha. Primeiro Liana abriu a
torneira do gás e todas as bocas do mesmo. Puxou uma cadeira e sentou-se na
frente do fogão. Colocou a revista em cima do mesmo e se posicionou como se
estivesse lendo. O cheiro de gás era forte e Liana o inalou com força. Queria
ajudar a sorte. As lágrimas desciam pelo seu rosto e as lembranças de todos os
maus momentos vividos lhe faziam companhia. Sentindo uma profunda compaixão por
si mesma, Liana abaixou a cabeça e se apoiou nos antebraços. Soluçando ela
pedia perdão a mãe. Não deixou nenhum bilhete ou carta falando sobre o seu
gesto. Queria que a mãe quando a encontrasse pensasse que tudo havia sido um
acidente.
O tempo foi passando e de repente
as lembranças de Liana se tornaram confusas. Seu pensamento ia rapidamente de
cenas acontecidas nos seus primeiros anos de vida até o presente momento. Ouvia
a voz da mãe lhe repreendendo por não ter lavado os pratos.também sentia o
abraço do pai antes de levá-la para a cama aos três anos de idade. Foi aí que
Liana se deu conta do perigo! Estava indo embora e pensou em voltar. Mas era
tarde mais. Seu corpo estava entorpecido e nenhum dos membros lhe obedecia
mais. Lembrou do filho que carregava no ventre e se desesperou. Pediu perdão a
Deus e a todos os santos que conhecia. Pedia ajuda e fazia promessas. Se
voltasse (pela misericórdia deles) nunca mais tentaria contra a vida! Mas era
tarde demais! Nada nem ninguém poderia ajudá-la. Enfim, a morte que ela tanto
queria havia chegado. Num relance tudo se apagou.
A mãe de Liana encontrou o corpo
da filha e quase morreu. Sua filha era tudo que tinha nesse mundo. Como
sobreviveria sem ela? Os gritos da mãe de Liana encheram a casa e se espalharam
até a vizinhança. E o que ela mais repetia era:
—Por quê?
Ninguém acreditou em acidente. A
farsa de Liana não convenceu. Alguns vizinhos sabiam (ou desconfiavam) da sua
gravidez.
Com o tempo tudo foi se
esclarecendo, mas para a mãe de Liana além da saudade ficou a tristeza. Se sentia culpada pelo gesto da filha. E pensava:
—Se eu tivesse sido mais amiga,
mais presente, mais carinhosa com a minha filha, talvez nada disso tivesse
acontecido.
Infelizmente as coisas não
aconteceram como Liana queria e tudo o que ela conseguiu foi acabar com a
própria vida e com as vidas de pessoas inocentes como era o caso do seu filho e
de sua mãe!