sábado, 14 de maio de 2011

A Morte Forçada de Liana


A primeira vez que Liana sentiu vontade de morrer, foi aos quinze anos. A mãe havia saído e quando isso acontecia ela aproveitava para ouvir os seus discos de “rock and roll”. A vitrola ligada no último volume e ela dançando sem parar se imaginando numa pista de dança ou num palco. Outras vezes era a música italiana que lhe fazia feliz. Liana adorava cantar e conseguia imitar a cantora Rita Pavone com perfeição. Dançando e cantando, cantando e dançando. Nesse dia tudo era alegria, mas de repente Liana sentiu um enorme vazio no coração. Parou imediatamente de dançar e olhou em volta. Estava sozinha e nada havia acontecido para que aquela sensação de angústia se apoderasse do seu peito. Liana sentiu a cabeça rodar e sentou-se no sofá. Colocou as mãos no rosto e começou a chorar. O som continuou rolando enquanto Liana chorava. Seus soluços eram fortes e ressentidos. Uma voz que ela não sabia de onde vinha teimava em lhe perguntar:
— Você é feliz? Isso é felicidade?Responda! Você está tentando enganar a quem?
Parecia que todas as dores e tristezas do mundo haviam desabado sobre os seus ombros. E alguma coisa, (talvez fosse a mesma voz que ela não sabia de onde vinha) lhe dizia:
— Por que você não morre e acaba logo com isso?
Liana continuou chorando por um bom tempo. Sabia que podia dar vazão a sua dor, pois estava sozinha em casa e nunca apalavra “sozinha” foi tão literalmente significativa como naquele dia.
Aos pouco, Liana parou de chorar. Estava confusa e imensamente triste. Desligou a vitrola, guardou os discos e ficou pensando no incidente.
Depois, vieram outros episódios parecidos, onde Liana repentinamente penetrava num mundo sombrio onde a morte estava sempre a lhe acenar.
Aos quinze anos Liana descobriu que tinha motivos de sobra para se sentir infeliz.
A mãe a rejeitara desde que nascera e aos cinco anos a abandonara. Aos nove anos foi afastada do pai, não tinha irmãos e sofria toda a sorte de discriminação por ser negra. Para completar o quadro negro de infelicidades que pintava, era uma menina de saúde e personalidade fracas e com isso atraía toda a sorte de fracassos e dificuldades para a sua vida.
As pessoas não percebiam e confundiam a sua falta de motivação e sua tristeza com “bons modos” e “recato”.
Liana ia completar dezoito com um peso maior na bagagem. Estupro, espancamento e uma gravidez acidental e indesejada. Ouvir música tinha ficado para trás. Liana sofria em silêncio e se desesperava com os problemas. Uma dor muito forte e real lhe fazia chorar amargamente. Não queria dar a mãe o desgosto de lhe ver grávida. Não queria dar à luz àquela criança indesejada e sem futuro. Liana se convenceu que naquela situação só a morte poderia lhe ajudar. E começou imaginar uma maneira de cometer o suicídio sem deixar pistas. Achava que uma morte acidental ou que parecesse natural, traria menos sofrimento para a sua mãe. Liana ainda não sabia que dor de mãe não tem tamanho. E liana esperou.
Aproveitou um dia em que a mãe saiu e deu início ao seu plano.
Trancou as portas e fechou as janelas. Pegou uma de suas revistas e foi até a cozinha. Primeiro Liana abriu a torneira do gás e todas as bocas do mesmo. Puxou uma cadeira e sentou-se na frente do fogão. Colocou a revista em cima do mesmo e se posicionou como se estivesse lendo. O cheiro de gás era forte e Liana o inalou com força. Queria ajudar a sorte. As lágrimas desciam pelo seu rosto e as lembranças de todos os maus momentos vividos lhe faziam companhia. Sentindo uma profunda compaixão por si mesma, Liana abaixou a cabeça e se apoiou nos antebraços. Soluçando ela pedia perdão a mãe. Não deixou nenhum bilhete ou carta falando sobre o seu gesto. Queria que a mãe quando a encontrasse pensasse que tudo havia sido um acidente.
O tempo foi passando e de repente as lembranças de Liana se tornaram confusas. Seu pensamento ia rapidamente de cenas acontecidas nos seus primeiros anos de vida até o presente momento. Ouvia a voz da mãe lhe repreendendo por não ter lavado os pratos.também sentia o abraço do pai antes de levá-la para a cama aos três anos de idade. Foi aí que Liana se deu conta do perigo! Estava indo embora e pensou em voltar. Mas era tarde mais. Seu corpo estava entorpecido e nenhum dos membros lhe obedecia mais. Lembrou do filho que carregava no ventre e se desesperou. Pediu perdão a Deus e a todos os santos que conhecia. Pedia ajuda e fazia promessas. Se voltasse (pela misericórdia deles) nunca mais tentaria contra a vida! Mas era tarde demais! Nada nem ninguém poderia ajudá-la. Enfim, a morte que ela tanto queria havia chegado. Num relance tudo se apagou.
A mãe de Liana encontrou o corpo da filha e quase morreu. Sua filha era tudo que tinha nesse mundo. Como sobreviveria sem ela? Os gritos da mãe de Liana encheram a casa e se espalharam até a vizinhança. E o que ela mais repetia era:
—Por quê?
Ninguém acreditou em acidente. A farsa de Liana não convenceu. Alguns vizinhos sabiam (ou desconfiavam) da sua gravidez.
Com o tempo tudo foi se esclarecendo, mas para a mãe de Liana além da saudade ficou a tristeza.  Se sentia culpada pelo gesto da filha.  E pensava:
—Se eu tivesse sido mais amiga, mais presente, mais carinhosa com a minha filha, talvez nada disso tivesse acontecido.
Infelizmente as coisas não aconteceram como Liana queria e tudo o que ela conseguiu foi acabar com a própria vida e com as vidas de pessoas inocentes como era o caso do seu filho e de sua mãe! 

terça-feira, 12 de abril de 2011

O Menino Malvado


Leonardo era um menino diferente dos outros. Tinha um comportamento exemplar. Na escola era muito bem quisto pelos professores e suas notas eram excelentes. Era incapaz de participar de brincadeiras violentas. Falava pouco e nunca dizia palavrões. Estava  com nove anos e era adiantado para a sua idade. Na igreja que freqüentava na companhia de sua mãe era o menino mais elogiado de todos. Apesar disso tudo Leonardo não tinha um bom relacionamento com as outras crianças de sua idade. Não se misturava com nenhuma delas. Estava sempre só ou acompanhado da mãe. Quando o tempo estava bom ele gostava de ficar em cima da laje com um livro evangélico e um caderno onde vez por outra fazia alguma anotação. Era bastante estudioso e isso talvez fosse o motivo do seu isolamento. As crianças não gostavam muito dele, porém aos adultos parecia que isso se devia ao fato de sentirem ciúmes ou inveja de sua sabedoria.
David, um menino que morava numa rua paralela a sua, costumava também subir na laje, porém por outro motivo. David gostava de soltar pipas e em cima da laje era mais excitante. Mesmo sem o consentimento da mãe, David continuava a praticar o seu esporte favorito naquele lugar perigoso. Vez por outra observava Leonardo sentado ao lado da caixa-d’água (que o protegia do sol) escrevendo por tardes inteiras e ficava curioso. O que será que Leonardo tanto tinha para escrever? Um dia, David percebeu que Leonardo havia descido e esquecido o caderno que tanto lhe causava curiosidade. Desceu rapidamente da laje, subiu no muro e procurando se equilibrar o mais que podia,  pulou para o quintal de Leonardo. Sorrateiramente subiu até a laje e pegou o caderno. Desceu rapidamente e do mesmo modo que havia feito para chegar até lá, seguiu em direção a sua casa.  Foi direto para o seu quarto e colocou o caderno em baixo do colchão. Bebeu um pouco de água para se acalmar e subiu novamente na laje. Enquanto dava linha em sua pipa viu Leonardo que procurava o caderno de um lado para o outro. Abaixava, levantava e algumas vezes chegou a olhar com certa desconfiança em direção de David. Esse por sua vez, fingia estar entretido com a pipa e não notar o que se passava na laje de Leonardo. Por fim cansado de procurar pelo caderno, Leonardo desceu.  David continuou na laje por mais um tempo e só desceu quando sua mãe o chamou para o banho. Depois do banho David foi para o quarto com a desculpa de que tinha dever de casa para fazer. A mãe desconfiou, mas aceitou. David se preocupar em fazer o dever da escola sem ser preciso ela mandar era uma grande novidade. David pegou o caderno e assim que começou a ler o que estava escrito se assustou. Achou que não estava entendendo muito bem as coisas que ali estavam escritas. As anotações tinham marcações datadas (dia, mês e ano) e falavam, ou melhor narravam uma gama de más ações cometidas por Leonardo e que causariam espanto em qualquer pessoa que as lesse. Para piorar, as narrativas eram repletas de palavrões e desenhos obscenos onde a figuras celestiais ganhavam chifres e rabos e se tornavam demônios. Anjos demoníacos, Jesus efeminado e cruzes de formatos estranhos assustavam David que ainda era criança (estava com doze anos) e não tinha uma percepção muito aguçada.  Devido a isso David precisava ler várias vezes certos trechos, para que entender o seu verdadeiro significado. Depois de um tempo, David percebeu que tinha em mãos um verdadeiro tesouro. Através daquele caderno Leonardo o menino “bonzinho” da turma poderia ser desmascarado. Estava tão entretido na leitura que não percebeu a entrada de sua mãe e quase desmaiou tamanho foi o susto que levou ao ouvir sua voz.
Sua mãe ao vê-lo com o caderno fez questão de saber o que havia ali de tão interessante e ficou muito surpresa com tudo o que leu. As narrativas de Leonardo eram minuciosas e se referiam a fatos reais acontecidos na comunidade. Eram fatos graves e alguns até de grande relevância já que trouxeram danos a suas vítimas. Coisas como a queda de uma menina da escada da escola. A menina havia se machucado bastante e ainda hoje estava sem poder assistir as aulas devido a pancada que levou na cabeça. Ali Leonardo se dizia autor da façanha e contava tudo. Viu quando a menina passou em frente a sua sala na direção do banheiro das meninas e imediatamente pediu licença a professora para ir ao bebedouro.  A professora consentiu e ele rapidamente se aproveitando que o corredor estava vazio colocou o pé na frente da menina para que ela caísse.
A mãe de David se lembrou que a menina insistiu em acusar Leonardo, porém ninguém acreditou nela, afinal Leonardo havia saído da sala “apenas para ir ao bebedouro” e voltara antes que os gritos da menina fossem ouvidos. Leonardo também se gabava de ter produzido o curto-circuito que queimara vários instrumentos na igreja e quase resultara num incêndio de graves proporções. Sem que ninguém percebesse ele havia entrado na sala onde os instrumentos estavam, desligara a chave e trocara várias pernas dos fios. Quando os jovens que faziam parte da banda chegaram para o ensaio e ligaram a chave geral da sala aconteceu o curto-circuito. Também a gata da dona Cleyde, que aparecera morta tinha sido obra dele. Comprara chumbinho num camelô e com muito cuidado jogara um pedaço de carne impregnada de veneno para o animal. Foi ele também quem quebrara a cabeça do menino mudo da outra rua com uma pedrada certeira. A mãe de David também se lembrava do incidente e de como a mãe do menino viera até a casa de Leonardo para se queixar e de como a mãe dele e até mesmo os vizinhos não acreditaram nela.  Daí a fora muitas e muitas ações em que o autor não havia sido descoberto, eram sim, obras de Leonardo. E ele fazia questão de relatar os fatos com todas as artimanhas que havia usado para se camuflar e se proteger. Havia ainda os casos em que ele ofendia, xingava e até batia nas crianças e se saía ileso se fingindo de inocente graças a sua reputação de menino exemplar.  Corroborando tudo isso havia os desenhos pornográficos onde imagens celestiais e demoníacas representavam membros da igreja.
A mãe de David (depois de pensar um pouco) resolveu que levaria o caso ao conhecimento da Associação de Moradores para que fosse avaliado. Não era justo que as crianças do lugar, vítimas de Leonardo passassem por mentirosas. Assim pensou e assim o fez.
O presidente da AM se encarregou do resto. Levou o caderno até o Pastor da Igreja que a mãe de Leonardo freqüentava pedindo que ele tomasse alguma providência. As mães das crianças da localidade exigiam uma retratação por parte de sua genitora. Quando a mãe de Leonardo soube de tudo o que o seu filho andava aprontando teve uma crise de hipertensão. Era separada do marido e cuidava sozinha de Leonardo sempre pensando que ele acatava os seus ensinamentos. Leonardo foi terminantemente proibido de sair de casa e o seu pai foi avisado do que estava acontecendo. Aliás, a mãe acusava o pai pelo comportamento estranho do filho.

O pai de Leonardo há muito tempo não aparecia. Se sentia triste e desmotivado. Tinha um filho que era quase um gênio e não tinha como corresponder ajudando nos estudos do menino. Sempre que aparecia era bombardeado com as boas notas no boletim e os planos da mãe para que o menino estudasse num colégio melhor. Assim que chegou estranhou, pois além da ex-esposa estavam presente o Pastor da Igreja e uma das professoras. Com muito tato lhe mostraram as anotações do menino e ele então ficou sabendo do comportamento real do seu filho. Pela primeira vez o pai de Leonardo se sentiu aliviado. Olhava para Leonardo como se o estivesse vendo pela primeira vez. E refletia: durante tanto tempo ele julgara estar diante de um gênio e no entanto ali estava o seu filho. Igualzinho a ele. Sem mais e sem menos. O mesmo instinto malvado que ele tinha na infância e que fizera com que fosse tão severamente castigado por seu pai. O seu filho era mais sutil é verdade. Havia descoberto uma maneira de enganar as pessoas e por isso não recebia castigo nenhum. Sim. Isso era coisa de gênio. Mas agora as coisas iam mudar. Sem deixar que percebessem as suas verdadeiras intenções, se levantou e agradeceu a todos pela notificação. Assim que o Pastor e a professora saíram ele disse a ex-esposa:
—Olha, eu sei que isso tudo é demais para o menino e queria que você deixasse ele passar uma semana comigo. Ele está crescendo e a gente precisa se conhecer um pouco mais.
A mãe, pensando no bem do menino resolveu concordar. Seria bom ele se afastar um pouco da comunidade. Desde que o seu caderno viera à tona, a sua imagem ficara um tanto manchada. É. Seria bom para ele ficar uns dias com o pai.

Leonardo arrumou suas roupas, colocou na mochila e se despediu da mãe. De mãos dadas com pai seguiu em direção ao ponto de ônibus. Nem por um momento passou pela sua cabeça que estava sendo levado para uma verdadeira “clinica de recuperação”. Seu pai conhecia métodos tão eficazes de tortura que seriam capazes de fazer uma verdadeira modificação no seu comportamento. Seus métodos eram bem parecidos com os de Leonardo e isso era o que mais lhe instigava. Tinha absoluta certeza de que quando Leonardo voltasse, seria o menino bonzinho que tanto lutara para parecer.
Uma semana depois ao voltar para casa Leonardo aparentava ser o menino de sempre. Falava pouco, não se misturava com as outras crianças e por mais que sua mãe indagasse não contava nada do que havia acontecido nos dias em que ficara na companhia do pai.
A mãe desconfiou que algo não ia bem, mas não teve como provar nada.

Algumas pessoas notaram o olhar diferente de Leonardo que ao passar por elas procurava sempre abaixar a cabeça. As outras crianças já podiam brincar e passar perto dele sem medo, pois ele nem sequer as notava. Mas o que ninguém percebeu é que Leonardo estava se tornando um menino autista. Aos pouco estava perdendo a capacidade de se sociabilizar com o mundo exterior.
Seu pai continuava a levá-lo para passar dias em sua companhia e agora sim, se orgulhava de verdade do comportamento do filho.
Seu baixo rendimento escolar, e sua deficiência só foram notados muito tempo depois.
Mas, quem iria reclamar disso, se a paz reinava naquele lugar?

domingo, 13 de março de 2011

Feliz Dia Internacional da Mulher (Atrasado)

















Olá amigos. Tenho tido problemas com a Internet e por isso desapareci... Ler meus e-mails, postar um artigo, colocar uma fotografia ou imagem qualquer no Blog ou no Orkut se tornou uma missão quase impossível para mim. Culpa da má distribuição da tecnologia no nosso país que exclui da Internet banda larga todos os que residem na periferia ou (pior ainda) um pouco mais além, como é o meu caso. Aqui só chega Internet discada (a Oi que me perdoe, mas essa é um a bomba), a Via Rádio ou a Velox Pirata e essas duas estão além das minhas pequenas posses. Sendo assim optei por um sistema de antena ( que recebe o sinal da casa de outra pessoa) que é mais barata, mas (como a procura foi grande) a coisa está se tornando quase inviável. Liguei para a Oi e a moça me informou que aqui onde eu moro - bairro Santa Cruz, Zona Oeste do Rio de Janeiro - ainda não há suporte para instalar Velox!!! Sendo assim, só me resta pedir desculpas pelo meu sumiço e esperar que as coisas melhorem.
Agradeço a compreensão de todos que me acompanham. Beijos e boa sorte.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Aonde Foi Parar a Razão



Depois de pesquisar na Internet, e em outros tipos de mídias

Notícias daqui e do mundo,

Depois de ver e ouvir toda a sorte de vídeos,

Mcs diversos propagando o terror

(ou simplesmente aquilo que chamo de horror)

Em letras musicadas e inexplicavelmente acessíveis

Dirigida quase sempre aos nossos “novinhos” – filhos(as) e netos(as) –

Depois de ver e ouvir o que sofrem as minorias

(pobres, mulheres, negros, grupos de GLS, índios,velhos e nordestinos)

E o total desrespeito e desumanidade com que tratam os animais

Me pergunto: Aonde foi parar a razão?


Trocou-se a velha moral pela imoralidade pertinente e impertinente

Trocou-se as boas maneiras pela má educação

Trocou-se o cavalheirismo pela falta de consideração e comiseração

Trocou-se a gratidão pela ingratidão

Trocou-se inocência das crianças pela sexualidade precoce

Trocou-se a decência pela indecência explícita

Trocou-se a honestidade pela desonestidade e pela corrupção

Trocou-se a sinceridade pela falsidade

Trocou-se a verdade pela mentira

Trocou-se o amor fraternal pelo antagonismo e desconfiança

Trocou-se o amor filial pelo desamor e pela ganância

Trocou-se o amor conjugal por desamor e traição

Trocou-se os bons costumes pelos maus hábitos

Trocou-se o respeito aos mais velhos pelo desrespeito e falta de consideração

Trocou-se o respeito às crianças pelo desrespeito e pelo abuso

Trocou-se o respeito às mulheres pelo desrespeito e pela agressão

Trocou-se o respeito ao ser humano em geral por desrespeito, indiferença e maldade



O mundo (o nosso mundo) perdeu a razão

E perdendo a razão está perdendo também a sanidade.

Será que ainda existe uma luz no fim do túnel?

Aqueles que acreditam busquem e sigam essa luz,

Pois sem iluminação já, total e irrestrita, entraremos em colapso

E da mesma maneira que uma estrela ao morrer e perde o seu brilho

E deixa de iluminar o céu, deixaremos a nossa aura clara para trás

E afundaremos na escuridão total.



quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Vidas em Tempo de Guerra


A pequena estação de trem estava superlotada. O cenário era caótico. Pessoas se aglomeravam e se espremiam carregando dentro de malas ou em trouxas os poucos pertences que conseguiam carregar enquanto aguardavam a chegada do trem que nos levaria para outra cidade.

A guerra havia chegado e havia em todos os rostos um que de preocupação.

Soldados fardados por todos os lados conferiam documentos e intimidavam as pessoas com o olhar.

A perseguição aos judeus era ferrenha e nesse clima de insegurança, partir era o melhor a fazer.

Eu estava ao lado da minha filha mais velha que tinha acabado de completar dez anos de idade. Era uma menina calada e reservada. Meu marido um pouco afastado de nós segurava pelas mãos os nossos gêmeos de cinco anos. Os meninos usavam calça curta de veludo marinho com suspensórios de couro, camisas brancas, de pala rendada e boinas também marinho. Olheio-os com orgulho. Eram crianças lindas e bem cuidadas. Meu marido usava uma jaqueta de couro e uma boina xadrez. Olhei para ele de soslaio quando vi que o trem se aproximava.

Meu coração estava aos pulos. Até agora tudo estava dando certo, mas a incerteza e a insegurança bailavam nem minha mente. Ele acreditava que se a nossa viagem desse certo, poderíamos recomeçar a vida em outro lugar.

O trem parou e as pessoas começaram a entrar no mesmo. Todas pareciam ter pressa e isso dificultava um pouco a subida dos passageiros. Busquei os olhos do meu marido. Precisava da sua ajuda, mas ele insistia em ficar separado de nós duas. Estava com muito medo e as pernas fraquejavam. Ele percebeu a minha hesitação e fez um sinal discreto para que eu entrasse no trem. Entendi e obedeci ao seu comando. Ainda arrisquei um novo olhar, mas com a aglomeração que se formou perdi meu marido e os meninos de vista.

Tomei coragem, agarrei com força a mão da minha filha e assim que apareceu uma brecha entramos no trem. Os bancos estavam quase todos ocupados. Avistei um banco vazio e empurrei minha filha até lá. Sentamos e ficamos aguardando por ele. O banco onde estávamos sentadas ficava de costas para a porta de entrada e eu tinha que me virar de vez em quando para ver se ele já estava vindo. O vagão foi ficando lotado. Muitas pessoas estavam em pé e eu estava com medo que retirassem a minha filha do banco para dar lugar à outra pessoa. Eu era uma mulher medrosa e se isso acontecesse eu não saberia dizer não.

O trem apitou e percebi que estava prestes a sair da estação. Meu coração se apertou. Onde estava o meu marido com os meninos? Por que demorava tanto em aparecer? Minha filha me olhou e no seu olhar vi que também estava apreensiva com a demora do pai. Olhei mais uma vez para trás e enfim, reconheci a boina do meu marido enquanto ele passava por entre as pessoas. Ele procurava por nós, olhando de banco em banco. Acenei com a mão e ele me viu. Sorri para ma minha filha e esperei. Nisso ele chegou. Se postou ao nosso lado, ou melhor, à nossa frente e eu senti um baque forte no coração. Ele estava sozinho! Os meninos, os meus gêmeos não estavam com ele. Minha filha me olhou espantada. O seu olhar de indagação se cruzou com o meu e eu me senti desfalecer. Ele me olhava com seu olhar frio e implacável. Fiz menção de me levantar, mas ele com firmeza pôs o braço em meu ombro e me obrigou a continuar sentada, enquanto permanecia de pé aparentando total indiferença a minha reação. Minha filha se apoiou no meu ombro.

O trem começou se movimentar e mais uma vez olhei para ele suplicante. O olhar que me devolveu era gelado e eu não consegui esboçar nenhuma reação. Desde o nosso casamento, era ele quem dava as ordens. O seu modo rude e violento haviam me tornado escrava da sua vontade. Estava acostumada a obedecer cegamente àquele homem que um dia havia me escolhido como esposa. Ao seu lado minha vida era um eterno penar. Jamais me atreveria a discutir ou a contrariar aquele que era o pai dos meus filhos. Os poucos momentos felizes que tinha era através do amor incondicional que sentia pelos meus filhos. Ser separada de dois deles seria a morte para mim. Estava ciente de que não poderia fazer cena ou drama, pois corríamos o risco de sermos descobertos. Então, abaixei a vista e puxei o ar para respirar. Meu coração se apertava e eu me desfazia em lágrimas invisíveis. Abracei minha filha e percebi que ela sentia o mesmo que eu, mas ela também não chorou.

Fizemos toda a viagem abraçadas, cabisbaixas e em silêncio. Eu não tinha outra alternativa senão continuar calada. Engoli as lágrimas que teimavam em sair dos meus olhos e permaneci em silêncio. Evitava olhar para o meu marido, pois naquele momento a minha vontade seria estrangulá-lo. A dor que estava sentindo me dava forças e eu sentia a fúria me dominando. Senti vontade de gritar para que todos pudessem ouvir:

—Ouçam todos vocês! Nós somos judeus! Estamos fugindo e passando por alemães!

Seria aminha forma de castigá-lo, embora também estivesse me castigando. Mas não podia fazer isso. Precisava pensar na menina. Ela não tinha culpa do que estava acontecendo, era uma vítima como eu e merecia uma chance.

A dor que sentia era tão grande que eu pensei que fosse morrer ali, naquele momento.

Descemos numa estação que parecia ser menos povoada que o lugar de onde vínhamos. Ali também havia alguns guardas armados, mas não nos importunaram. Saímos da estação e seguimos por uma estrada de barro. Ao lado havia um terreno cercado onde havia uma plantação de beterrabas. Caminhávamos em silêncio. O meu coração estava apertado. O nó na garganta fazia com que minha respiração continuasse difícil. O coração estava terrivelmente apertado.

Minha filha até ali não dissera uma palavra. Andava ao meu lado com os olhos fitos no chão. Eu estava cansada e ao mesmo tempo arrasada. Me sentia inútil como mãe e como mulher. Que espécie de mãe era eu? Que poderia oferecer àquela menina que caminhava ao meu lado, se não conseguia defender nem mesmo a mim? Num certo ponto da estrada meu marido parou. Usando uma das malas como assento retirou de dentro do casaco um pacote de fumo e um cachimbo que depois de acender se pôs a fumar.

Depois das primeiras baforadas abriu o fecho do casaco e retirou de dentro do mesmo umas peças de metal que ao se encaixarem formavam uma espécie de espingarda que escondeu entre os nossos pertences.

Só então pareceu reparar em nós e falou sobre os meninos. Com a frieza que lhe era peculiar, pediu para que eu entendesse os seus motivos. As crianças ao nosso lado só iriam atrapalhar! Agora estavam seguras e em boas mãos. Haviam sido entregues a um casal alemão que não possuía filhos. Certamente seriam criados como alemães e não teriam que se esconder como nós. Apertei minha filha contra o meu peito e choramos as duas. Ele continuou a fumar o seu cachimbo e assim que terminou continuamos a caminhada. Algum tempo depois, chegamos a um pequeno armazém. Meu marido se adiantou e foi falar com o homem que parecia ser o dono do lugar enquanto eu e a menina esperávamos do lado de fora. Ouvi quando o homem gritou:

—Saiam já daqui seus judeus ordinários! Não quero complicações com a polícia! Se pensam que vão me enganar se deram mal. Não quero em minhas terras cães sarnentos por perto. Então retirou de baixo do balcão, uma arma e ameaçou atirar no meu marido ali mesmo. Meu marido veio ao meu encontro e apressados nos afastamos.

Ele estava visivelmente transtornado com a acolhida daquele homem. Cabisbaixo e carrancudo ele nos conduzia por aquela estrada sem destino aparente. A incerteza, a insegurança e a nossa vulnerabilidade estavam ali à nossa frente. Éramos foragidos e mais cedo ou mais tarde nos encontrariam. Olhei em volta em busca de algum lugar onde pudéssemos nos esconder no caso de o homem nos perseguir. Avistei um galpão e nos encaminhamos para lá apressadamente.

O galpão estava vazio e entramos sem dificuldades. Forrei alguns panos para nos servirem de cama e nos deitamos. Enquanto ele e menina ressonavam eu amargava a dor da perda dos meus dois filhos. Abraçada ao pano que me servia de travesseiro derramei em silêncio todas as lágrimas que trazia comigo. O dia nos encontrou exaustos famintos e temerosos. No olhar do meu marido a arrogância estava se desvanecendo. Seu semblante abatido me dava a certeza de que a nossa fuga havia fracassado e que em breve seríamos presos e teríamos que cumprir o nosso destino.

Procurei me enfeitar. Penteei e prendi os cabelos. Precisava estar bonita para enfrentar o que estava vindo. Ajeitei também os cabelos da minha filha. Ela também precisava estar bonita, afinal éramos mulheres e mulheres são as flores do mundo! Pelo menos era isso que o meu falecido sempre dizia.

Meu marido não percebeu o brilho dos meus olhos nem o sorriso nos meus lábios. Estava entretido fumando o seu cachimbo e não olhava para nós duas. Sabia que estavam à nossa procura e logo nos encontrariam.

Foi então que ouvi os latidos dos cães. Olhei mais uma vez para minha filha e sorri. Queria que ela se lembrasse desse momento com alegria e ofertava a ela o pouco de felicidade que ainda existia em mim. Os latidos dos cães ficavam cada vez mais próximos e a nossa prisão era apenas uma questão de tempo.

Sentamos, nos demos as mãos e ficamos ali abraçadas.

Meu marido já não fazia parte do nosso mundo. Ele agora era apenas uma sombra encurvada e sem expressão.

Enquanto os cães se aproximavam eu sorria e olhava nos olhos da minha filha. Em minha mente apenas uma certeza: Em breve eu deixaria este mundo e fosse qual fosse a maneira pela qual eu iria morrer, eu estava feliz. Minha vida (enfim) chegaria ao fim!

Os soldados chegaram e nos encontraram assim. Bonitas, felizes, seguras e sorridentes.