sábado, 21 de novembro de 2009

Como comprar um tesourinha...

Numa Loja em Campo Grande_RJ

Há dias venho pensando em comprar uma tesourinha e fui a uma loja de renome no ramo costura e artesanato com a intenção de concretizar o meu plano. Assim que entrei perguntei a moça do balcão se havia tesourinhas para vender. De pronto ela me respondeu que sim e esticou o braço me apontando na parede às minhas costas um painel repleto de tesouras de todos os tipos, formatos e funções. Detalhe: o painel que media em torno de 90cm de largura por 1 metro de comprimento (avaliação do meu olhômetro de costureira) estava afixado na parte mais alta da parede. As tesouras estavam presas e catalogadas por tamanho. Em cima estavam as menores (bem pequenas, digo eu) e as tesouras maiores, as de picotar e tesourões na parte de baixo, a cerca de um metro e meio do chão. Todas estavam marcadas com os preços e com um código numerado escrito com canetinha preta ou vermelha. É claro que as tesouras grandes estavam bem visíveis, porém eu estava interessada numa tesoura pequena e os óculos que uso para perto dificultavam em muito a minha visão. Expliquei a moça a minha dificuldade e ela me perguntou:
—A senhora que com a ponta curva ou com a aponta fina?
Fiquei indecisa. Tinha em mente um modelo específico de tesoura que a minha mãe usava para fazer os seus bordados richelieu, mas olhando daquela distância as tesouras me pareciam indefinidas. Querendo agilizar o processo de compra da tesoura escolhi a olho uma que me pareceu ser mais ou menos parecida com o que tinha em mente e apontei (da melhor maneira possível) o objeto da minha escolha. Ela se apressou a sair em busca do objeto:
— Já sei! A ...78.
— Olhei para o painel para me certificar e embora não conseguisse enxergar os outros números vi que o final era 2 e não 8. Enquanto isso ela voltava coma tesourinha na mão. Olhei para mesma e disse:
— Não é essa que eu quero! A moça já sem paciência me disse:
— Mas foi essa que a senhora me mostrou!
Com calma eu expliquei a ela (apontando novamente) que a tesoura escolhida por mim era a que terminava com o número 2. Então ela pareceu se zangar e me disse:
— Mas aquela é para cortar cabelo!
Tentando ser objetiva e prática eu repliquei:
— Filha. Veja bem. Eu uso óculos para perto e faz muito tempo que passei dos quarenta. Daqui de baixo eu não consigo ver o formato da tesoura. Se o painel estivesse ao alcance dos meus olhos com certeza eu saberia lhe dizer com mais clareza o que quero, mas já que estamos perdendo nosso tempo, por favor traga uma tesoura daquela que eu amostrei pra que eu possa ver. Ela saiu para atender o meu pedido e de repente ouvi um grito. Me debrucei no balcão e vi a moça que estava me atendendo parada e com ar de assustada no corredor ao lado do armário onde estavam as tesouras dizendo para as amigas:
— Uma barata! Uma barata!
As amigas riam e uma ainda disse:
— Deixe a bichinha passear...
Tentando ser discreta me afastei do balcão e a moça veio logo em seguida me dizer que infelizmente o modelo de tesoura que eu queria estava em falta. Olhei nos seus olhos, agradeci e saí da loja com a sensação de que ao entrar ali e quere uma tesourinha eu havia feito algo de errado. Constrangi a vendedora e ainda a obriguei a levar um susto com a barata. Fiquei me perguntando:
Será que eles usam a “tática” do painel inacessível para dificultar a venda?
E deduzi: Talvez eles não queiram vender tesouras.

Dia da Consciência Negra (ou do negro)

Ontem, Dia da Consciência Negra foi feriado por aqui. Todos os anos, devido a esse fato, vários eventos são elaborados e em quase todos os lugares se encontra diversão fácil e de excelente qualidade, todas elas direcionadas para o público afro descendente. É claro que a intenção maior é conscientizar a população negra sobre a história e os costumes de sua etnia e dar a eles a ilusão de que são valorizados pela sociedade. Durante os dias que antecedem ao feriado, a televisão exibe comerciais sobre o assunto e algumas vezes inclui em sua programação peças ou documentários voltados ao mesmo tema. Dessa vez, como sempre eu estava ligada na TV já que a saúde, ou melhor: a falta dela me obriga a ficar em casa e pude me deliciar com uma reportagem de alto nível exibida pela TVE Brasil sobre o Continente Africano, alguns dos seus povos e a analogia que existe entre os costumes e a vida dos negros daqui com os costumes e os negros de lá. A reportagem inicia falando dos Pgmeus (povo discriminado tanto pelos brancos como pelos negros de outras etnias pela sua estatura). Enquanto assistia e ouvia a fala e os comentários da repórter, fui me reportando a velhas falas e imagens da minha infância, onde o negro era sempre visto e tido como um ser inferior e de inteligência duvidosa. De repente me dei conta que, assim como a maioria dos negros do Brasil, não tenho identidade africana e como afro-descendente a minha memória é memória brasileira carregada de exclusão e preconceito. Sou neta de um escravo africano e nada sei de sua vida ou da sua história fora do Brasil. Como lembrança trago na certidão de nascimento o nome que ele herdou do seu Senhor: André Avelino dos Santos e também que vivia na cidade de Penedo, no Estado de Alagoas. E com tristeza descobri que a minha história para por aí. Não sei quem foram meus ancestrais, ou de que parte da África vieram. Qual o tipo de bagagem cultural que trouxeram ou coisa que o valha. Da família da minha mãe eu sei bastante. Meu avô materno era português, comerciante, viveu em Santo Amaro da Purificação na Bahia e até hoje eu tenho contato com primos e outros parentes. Mas a minha raiz africana, ficou relegada ao esquecimento. Meu pai nada sabia da vida do meu avô e nunca deve ter se importado com isso, já que não é costume entre os negros falar de “imigração” pois eles vieram para cá sem escolha e contra a vontade. A minha pele negra diz que sou afro-descendente, mas isso é muito pouco para que eu viva a minha negritude em toda a sua plenitude. Sem identidade, como posso sentir orgulho de mim mesma e lutar pelos meus direitos, da maneira que tentam me incutir? No dia da Consciência Negra, descobri que a minha consciência de negritude é muito fraca e é por isso que me tornei o que sou. Um barco à deriva no mar do esquecimento para onde fui levada, assim como meus irmãos de cor. Lutar contra isso é difícil. Afinal contra o que mesmo eu devo lutar? Contra o preconceito racial? Como assim, se dizem que não há raças? Contra a exclusão social? Como, se sou afro-descendente e neta de escravos? Vocês hão de convir que todo o descendente herda alguma coisa dos seus progenitores, seja de ordem material ou genético, sendo assim... Do meu avô escravo devo ter herdado a pobreza e a resignação. Só assim se explica todos esses anos de exclusão e sofrimento. Chorei durante toda a reportagem. Me vi ali nos rostos daquelas mulheres negras e primitivas que levam suas vidas afastadas da sociedade contemporânea, com todos os seus parcos sonhos se resumindo quase sempre a um homem, um pouco de água limpa, e um pouco de dança para sufocar a dor. Querer mais do que isso é querer demais. O carnaval aqui do outro lado do Atlântico, nos dá a mesma sensação. É ali nos sambódromos da vida que deixamos de lado a nossa insignificância e nos travestimos de reis, rainhas e princesas e anestesiamos a alma para dar continuidade à vida nesta terra onde viemos parar e que teima em nos desamparar.
Salve o Dia da Consciência Negra! E salve os negros que de sua história conseguem ter consciência.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Às vezes se mata alguém por nada... (ou) Uma morte sem motivos

Sandra era casada com José. Quando casou estava apaixonada como a maioria das moças. José era um rapaz forte, trabalhador e era uma boa pessoa. Ela era de Minas Gerais e estava no Rio desde os 13 anos. Trabalhava em casa de família e não tinha muitos sonhos. Quando José lhe propôs casamento ela logo aceitou. Não sentia muita falta da família e casar era o seu maior sonho. Com o casamento deixou o emprego e logo engravidou. Quando o primeiro filho nasceu, José ficou radiante, afinal tudo o que ele mais queria era um filho homem. No ano seguinte Sandra deu a luz a Mariana. Agora sim, estava feliz, pois tinha uma menina. José trabalhava de porteiro e geralmente estava descansado e de bom humor. Com isso, Sandra e José dividiam as tarefas domésticas. Moravam numa pequena vila de casas e contavam sempre com a ajuda e a presença de alguns vizinhos e amigos. Nos primeiros cinco anos de casados, foram felizes. Ou melhor pareciam felizes, até que Sandra se deu conta da rotina em que sua vida se tornara.
Então as coisas começaram a mudar. José estranhou quando Sandra passou a se enfeitar e a exigir dele coisas que antes não pareciam lhe fazer falta, como roupas e sapatos da moda, e tantas outras coisas que ele considerava supérfluas, quase sempre ligadas a beleza a vaidade. A mudança no comportamento de Sandra continuou e ela aos pouco foi se afastando dos amigos do casal. As crianças passaram a ocupar um lugar secundário na vida de Sandra e sentindo-se rejeitadas, se apegaram ainda mais ao pai. O tempo passando e Sandra cada vez mais ausente. José pressentiu a traição. Observava a mulher enquanto esta se enfeitava para sair e via nos seus olhos o vulto de outro homem. Respirava fundo e se refugiava no carinho dos filhos. Fazia de tudo para se mostrar impassível. Não. Ele jamais deixaria que Sandra notasse o quanto ele sabia do que ela tentava esconder. A cama se tornara grande demais para os dois e José fingia adormecer no sofá. No dia seguinte pedia “desculpas” a mulher pela sua falta. José soube de Juarez. Soube por boca de amigos preocupados com a vida que Sandra estava levando. E choviam informações:
—Tem um tal de Juarez por aí dando em cima das mulheres dos outros, compadre. O senhor ta sabendo de alguma coisa?
—É claro que não! Eu não estou sabendo de nada. Também compadre eu não tenho muito tempo para essas coisas. As crianças me tomam um tempo danado. Aliás, eu tinha me esquecido que prometi a Mariana que ia ajudar ela nos deveres da escola! Outra hora a gente conversa!
E José saía pela tangente. Aquele assunto realmente era difícil para ele. E morria de inveja dos compadres que não estavam passando por esse tipo de problemas. Foi assim que tudo teve início.

Sandra não agüentava mais as “traições” de Juarez. Todos os dias, ouvia comentários sobre suas novas paqueras e aventuras. Estava decidida a por um fim naquilo e pela milésima vez iniciou uma discussão. Juarez reagiu como sempre fazia e as ofensas eram recípocras. Sandra estava desnorteada. Queria que o amante negasse e lhe pedisse desculpas, como fazia no inicio do relacionamento, mas desta vez a coisa foi diferente. Juarez não só confirmou os boatos, como ameaçou terminar tudo entre os dois. Num acesso de raiva, Sandra se armou com um pé de cabra e com golpes fortes e certeiros acabou com a vida de Juarez. O sangue se espalhou pelas paredes, pelo chão e respingou toda a sua roupa.

Enquanto isso, em casa, José esperava. Estranhando a demora da mulher saiu a sua procura. Há tempos sabia que ela tinha um amante e evitava se pronunciar sobre o fato. Amava em demasia aquela mulher e faria de tudo para continuar com ela. Sabia perfeitamente aonde ela costumava se encontrar com o amante.
Juarez tinha uma pequena casa numa outra vila não muito distante dali e era lá que Sandra costumava se encontrar com ele. Sandra bem que poderia escolher um local mais distante do local onde morava com o marido e os dois filhos para se encontrar com o amante, mas era imatura demais para ter cautela. Juarez era um mulato jovem, boa pinta e aventureiro. Vivia dando em cima das mulheres alheias e se vangloriava disso.
Algumas vezes, com o peito quase arrebentando de ciúmes, José havia planejado a morte daquele rapaz e até imaginava de que maneira acabaria com ele. No final, sorria satisfeito com o seu feito e a morte “imaginária” de Juarez. Mas os filhos sempre o traziam de volta a realidade. Jamais poderia olhar as crianças de frente se um dia se tornasse um assassino. Não era isso que queria para si e seus filhos mereciam sorte melhor. Já não contavam com a atenção da mãe que vivia dizendo “não ter tempo” para eles e caso José fosse preso quem iria cuidar dos mesmos? Com todas essas indagações bailando em sua cabeça José saiu de casa e se dirigiu ao endereço de Juarez. Já estava escurecendo e José se aproveitou disso para chegar sem ser visto. Para a sua sorte as mulheres que sempre se sentavam na entrada da vila para dar uma “olhadinha” na vida de quem passava, estavam entretidas com o jantar e com as novelas. José se aproximou com cautela. O que iria dizer a mulher? Teria que ser forte e fingir que não sabia de nada. Tentaria fazer de conta que estava ali por acaso. Falaria apenas o necessário e sairia dali o mais rápido possível, pois não queria ver a cara de Juarez. Bateu levemente na porta. Procurava ser discreto. Ouviu um barulho e teve certeza de que havia alguém na casa. Chamou pela mulher em voz baixa:
—Sandrinha, sou eu José. As crianças estão esperando...
Falou se virou para ir embora. Não daria a Juarez a chance de ver o seu semblante de marido traído, de “corno sabido”. Mas a porta se abriu e Sandra o puxou pelo braço.
—José, que bom que você está aqui! Foi Deus quem mandou você!
Sandra estava pálida e desfigurada. Suas mãos estavam frias e trêmulas. Continuava a puxar José pelo braço e José desconfiou que algo de muito ruim devia ter acontecido entre Sandra e Juarez. Sem se dar tempo para pensar ele seguiu a mulher para dentro da casa. Assim que ele entrou, Sandra fechou a porta e praticamente o arrastou para os fundos da residência. Ao se dar conta do que havia acontecido, José engoliu em seco. Juarez estava caído numa poça de sangue. tinha um enorme ferimento na cabeça e aparentemente estava morto. Sandra, gesticulava e esfregava as mãos sem parar enquanto repetia:
—Eu não queria. Eu juro que não queria fazer isso...
José se abaixou e examinou o corpo. Juarez realmente estava morto. Levantou-se e olhou com atenção para Sandra. Em seu vestido e em suas mãos havia vestígios de sangue.
José não era um homem violento. Além de tudo era uma pessoa honesta. A primeira coisa que lhe passou pela cabeça foi ir com a mulher a delegacia mais próxima para que ela se entregasse. Sandra captou a intenção no olhar do marido e se desesperou:
—Não José! Por favor não me denuncie. Eu preciso que você me ajude. Será que você não está vendo como eu estou me sentindo? Se você me denunciar eu vou ser presa e quem vai cuidar dos nossos filhos?
Pela primeira vez na vida José sentiu vontade de bater em Sandra. Como ela podia se valer de um argumento tão baixo como aquele? Logo ela que nunca havia se importado com as crianças e que sempre fez questão de tratá-los como estorvo. Aquilo não era justo. Sandra merecia ser castigada pelo seu crime e José sabia perfeitamente disso. Bastava apenas que ele se armasse de coragem e fizesse a coisa certa. Sandra sentou-se num canto e começou a chorar. Chorava como uma criança que quebrara o seu brinquedo preferido. Jose sabia muito bem o motivo do seu choro, porém era um homem piedoso e não podia deixar de sentir pena de Sandra. No mais completo silêncio pegou o pedaço de ferro que Sandra usara para bater na cabeça de Juarez levou para o banheiro e começou a lavar. Depois com um pano de chão limpou todas as manchas espalhadas pelo chão e pelas paredes onde as mãos e as impressões digitais de Sandra pudessem aparecer. Segurou o ferro com um pano e colocou outra vez ao lado do corpo. Ajudou a mulher a se recompor e a limpar bem o vestido. José deu a idéia: Os dois ficariam ali até que os vizinhos adormecessem e só então sairiam. Ficaram ali, por muito tempo abraçados sem dizer palavra. Sandra vez por outra, soluçava cabisbaixa e em silêncio. Tarde da noite saíram sem que ninguém os visse e foram para casa. Quando chegaram em casa as crianças já estavam dormindo. Eles sabiam que podiam contar sempre com a ajuda da vizinha e amiga de longa data, Neide. Neide gostava muito das crianças e sempre que necessário cuidava delas. Nessa noite José não conseguiu pregar o olho. Ficou deitado no escuro com a cabeça no travesseiro dando voltas e mais voltas no pensamento... Sandra por sua vez assim que conseguiu se deitar adormeceu. Às vezes se mexia e abria os olhos, assustada. Nesses momentos José estava ali com o seu abraço e o seu silêncio acalmando a mulher.
Já era quase meio dia quando a notícia chegou através de Neide:
—Sabe o Juarez? Aquele safado que adorava pegar as mulheres dos outros? Pois é! Foi pros quintos dos Infernos. Foi bem feito! O infeliz teve o que merecia.
Além de algumas mulheres da vizinhança que se sentiam “enviuvadas” os homens e as pessoas de bem daquele local não estavam muito pesarosas com a morte de Juarez. Para o delegado “um crime tipicamente passional”. Algum marido traído fizera o serviço.
Sandrinha procurava demonstrar naturalidade. Passou o dia brincando com as crianças. Quase não botou a cara na rua. Neide chegou até a brincar:
—Que é isso mulher? Viu passarinho verde hoje, é?
José ao chegar do serviço encontrou uma Sandra diferente. A casa estava arrumada e as crianças de roupa limpa. No fogão a janta se anunciava. Abraçou as crianças e deu um beijo na esposa. Por um momento teve a impressão de que ela lhe retribuiu. Mas qual o que! Devia ser sua impressão. À noite na cama Sandra fez questão de dormir quase colada a José. José estremeceu de felicidade. Afinal há muito tempo não tinha esse prazer com a esposa.
Os dias foram passando e a vida de José e de Sandra aos pouco foi voltando ao normal. Ela já saía de vez em quando, mas quase sempre levava uma das crianças com ela. Um dia saiu para fazer umas compras e não levou as crianças. Já faziam mais de quatro meses que Juarez havia morrido e ela resolveu se aventurar e passar perto do local onde tudo havia acontecido.
Achou estranho. A casa estava ocupada por uma jovem mulher loira e duas crianças pequenas. Um menino de mais ou menos dois anos e uma menina ainda de colo. Como Sandra passava muito perto da porta a mulher lhe sorriu. Sandra retribuiu e aproveitou para brincar com a menina que a mulher segurava nos braços. Por um momento percebeu no rostinho da mesma os traços de Juarez. Sandra não queria acreditar. Não! Não podia de maneira nenhuma ser o que ela estava pensando. Num impulso perguntou?
—A menina é filha do falecido Juarez? Parece tanto com ele...
A resposta veio em tom de lágrimas:
—É. Eu sou a esposa dele. E pensar que minha filha não vai nem poder conhecer o pai direito. Nem ela nem o menino.
A frase ficou solta no ar. Sandra sentiu o chão fugir dos seus pés. Precisou de muita força para não cair. Pensava com seus botões: Esposa? Juarez então tinha uma esposa? Isso não era possível. Ele sempre lhe dissera que era solteiro e inúmeras vezes havia lhe pedido para abandonar o marido e se casar com ele... Então... era tudo mentira. Ele lhe enganara durante todo aquele tempo. E ela pensando que apesar de não ser a única em sua vida, era amada de verdade... Sim porque ela sabia de alguns dos seus casos, porém ele sempre dizia que eram casos sem nenhuma importância e era a ela, Sandra que ele amava. E ela acreditava piamente em tudo o que ele lhe dizia. Que idiota ela havia sido! Suas faces estavam sem cor e a moça notou:
—Está se sentindo mal? Quer sentar um pouco? Sandra pensou rápido e respondeu:
—É que eu ando com uns sintomas que parecem gravidez... de vez em quando sinto umas vertigens inesperadas, mas já estou bem. Na verdade tinha muita pressa em fugir dali.
—Fique com Deus e boa sorte para você e para as crianças.
Se afastou do local o mais rapidamente possível. Na cabeça as idéias se misturavam num verdadeiro redemoinho. Aquela mulher e sobretudo aquelas crianças (agora sem pai) eram o retrato da sua loucura e insensatez. Sandra se dava conta do tamanho da loucura que havia cometido. Havia tirado a vida de um homem por nada! Na verdade o seu crime não poderia ser classificado e nem mesmo ser considerado “um crime por amor” já que Juarez não lhe pertencia e (agora ela sabia)que entre eles não havia “amor”. Ele era por lei e por direito casado com aquela mulher que era a mãe dos seus filhos. E ela? Quem era ela na vida de Juarez? O que ela havia representado na vida dele? Ela era apenas mais uma das tantas que ele, usando de toda a sua maestria enganava. E agora ela estava ali. Uma assassina que se deixara dominar por um ciúme doentio e sem nenhuma razão de ser. Sem saber de onde, uma frase bailava em sua mente como se fosse uma espécie de oração:
“Às vezes se mata alguém por nada...”
Pensou nos próprios filhos e seu coração se apertou. E se fossem os seus filhos que ficassem privados da companhia do pai devido ao ato insensato de alguma louca enciumada? Naquele momento Sandra sentiu o verdadeiro peso dos seus atos. Quis correr para os braços de José, porém ainda estava distante de casa e José provavelmente estava no serviço.
Na sua agonia havia caminhado sem rumo durante algum tempo e agora percebia que se distanciara de casa. Estava em frente a uma pracinha e aproveitou para se sentar e descansar um pouco. Sandra sentiu as lágrimas chegando e se controlou. Não podia chorar em público. Sabia que podia estar sendo observada por alguém e não podia correr o risco de que seu crime fosse descoberto. Retomou o rumo de sua casa. Precisava se sentir segura. José ainda não havia chegado e as crianças também não estavam em casa. Sandra se sentiu feliz pela ausência dos filhos, mas queria muito que José estivesse ali do seu lado.
Deitou-se na cama e como num filme reviu toda a sua aventura com Juarez e se perguntava: Como pudera ser tão inconseqüente e leviana a ponto de não valorizar o seu marido, um homem (que só agora ela percebia) tão amigo e companheiro? Com o coração repleto de ressentimento e remorsos, Sandra adormeceu.
Neide trouxe as crianças da escola e encontrou Sandra dormindo.
—Acorda mulher! Acorda pra vida!
Sandra, ainda sonolenta recebeu com carinho o beijo dos filhos. Levantou-se e teve o cuidado de arrumar a cama com todo capricho. Depois de tomar um banho demorado, foi preparar o jantar. Queria mais do que nunca, agradar o marido. Esta noite, quando José chegasse encontraria além do seu prato preferido, a mulher apaixonada e dedicada com quem ele se casara. Neide percebeu o brilho do seu olhar e ainda brincou:
—É. Eu acho que hoje vou ter que ir para casa mais cedo! Parece que os dois pombinhos vão querer ficar sozinhos... É alguma data especial que eu estou me esquecendo?
Sandra sorriu e respondeu:
—Não, Neide. Não é nada de mais. É apenas o milagre do amor entre duas pessoas que se amam... É só isso.
Neide saiu pensativa, mas feliz. Sabia que alguma coisa havia mudado na vida de Sandra e José desde a morte de Juarez.. E havia mudado para melhor. Neide estava feliz, em ver como o casamento dos dois estava se recuperando. Quanto ao resto... Bom! O resto não importava muito, já que boatos e maledicências existem em toda a parte. Pra que estragar a vida deles com fofocas sobre o falecido? Era muito melhor deixar os mortos descansarem em paz! Se bem que ela tinha dúvida sobre o “descanso” de Juarez. Mas isso era pra Deus e não ela se preocupar.