sábado, 4 de dezembro de 2010

Réquiem a um José comum (Primeira Parte)


Santo Antônio de Pádua - RJ – 19??

José nasceu no tempo em que o Getulismo estava em alta e a mãe desejava dar esse nome ao filho. Assim que o menino nasceu entre as parteiras e vizinhas a notícia correu:

—O fio de Maria Amáia vai se chamá Getúio!

O pai estava na roça. Saíra cedinho bem antes que os raios do sol se fizessem presentes. Deixara a mulher dormindo. E bastou que se afastasse para que Maria Amália despertasse já sentindo as primeiras dores do parto. Com certa dificuldade se arrastou até a casa da Comadre mais próxima. Todos estavam de sobreaviso e José veio ao mundo sem muitos transtornos, naquele 17 de março, uma quinta-feira e como ele costumava dizer, “véspera do dia em que se comemora a morte de Nosso Senhor Jesus Cristo”. Era uma quinta-feira Santa e disso Maria Amália nunca se esqueceu.

Tomé, (o pai) homem de poucas palavras, aguardava o nascimento do primeiro filho sem muito entusiasmo. Deixava que a mulher se encantasse e ás vezes se descabelasse com a novidade. Trabalhava com afinco sob um sol de março e estranhou quando o almoço demorou a chegar. Se distraía com a fumaça do cigarro de palha, que além de lhe dar um certo prazer, também servia para espantar a fome. De vez em quando, olhava esperançoso a curva do caminho. Mas nada do almoço chegar. E Tomé pensou:

—Será que aconteceu alguma coisa? E se o menino?... – sempre pensava na criança como sendo um menino. Não que se importasse com o fato de que nascesse uma menina. Para ele criança era tudo igual e davam os mesmos problemas, mas intuitivamente sabia que seria um menino. Aguardou que o sol esmaecesse. Antes de pegar o rumo de casa, acendeu mais um cigarro e enquanto fumava, deixou que os pensamentos fluíssem:

Sempre fora um moço tímido e calado. Desde os tempos de adolescência fora assim. Não conseguia fazer amigos e era com relutância que se achegava às moças da redondeza. Saía pouco e não gostava muito de conversar. Conheceu Maria Amália aos vinte e três anos e se apaixonou. Era a cabrocha mais bonita que Tomé já havia visto. E como era animada a danada! Corpo bonito, apesar de um tanto magra para os padrões da época, olhos brilhantes e um farto sorriso. Ainda agora ao lembrar, Tomé se emocionava. E os longos cabelos negros e brilhantes, amarrados em tranças, amarraram Tomé. As moiçolas negras da vizinhança, faziam de um tudo para que os cabelos crescessem, sem muito resultado. Mas Maria Amália jogava suas tranças soltas e exuberantes aos olhos encantados de Tomé. Pouco tempo depois estavam casados. Ela, com o sorriso à flor da pele e a dança incrustada no corpo. Ele, embevecido com a conquista fácil e esperando que ela se tornasse uma boa esposa. As brigas logo se iniciaram. Para Maria Amália bastava o som distante de uma sanfona, para esquecer as obrigações de dona de casa e sair em busca da diversão. Saía na sexta e só voltava para casa na segunda. Tomé se entristecia, e às vezes reclamava. Porém não era homem dado a violência e deixava que a mulher se divertisse. Os vizinhos comentavam a liberdade excessiva de Maria Amália. O tio de Tomé era o mais agoniado com a situação.

—Ô homem, vê se toma uma atitude! O home tem que domá a muié. Ocê tá envergonhando a famía!

A gravidez precoce acalmou um pouco em Maria Amália a sua sofreguidão por festas. No corpo magro os vestígios se faziam notar facilmente. E Maria Amália vaidosa como era, se entristecia com a forma arredondada que o ventre assumia. Por isso, ficava em casa. Entre o chorar de tristeza e a alegria de ser mãe. Tomé ficou satisfeito.

—Quem sabe, daqui prá diante ela sossega o facho em casa?

No fundo, porém Tomé sentia medo, ou quem sabe até um pressentimento de que as coisas não seriam exatamente assim.

Tomé chegou em casa quase ao anoitecer. Encontrou a vizinhança em festa.

—Seu fio nasceu, seu Tomé! Seu fio nasceu! O sinhô já é pai!

Entrou em casa em silêncio. Trazia no ombro a enxada com que trabalhara no roçado. Aproximou-se da cama e olhou para criança que a mãe amamentava. A casa era pequena. Ainda assim estavam presentes a parteira, um tio de Tomé e mais duas vizinhas que entusiasmados tentavam despertar em Tomé algum vestígio de contentamento.

—É Tomé. Ocê agora tem um homezinho prá criá, home! E óia que com esse nome esse menino vai longe! E o tio falava com orgulho:

—Donde já se viu um neguinho da famía dos Mello se chamá Getúio!

Tomé colocou a enxada no chão, retirou da cabeça o chapéu de palha, desfiado e empoeirado, e calmamente sentenciou:

—O meu fio vai se chamá José! Eu quero que o meu fio tenha nome de home. De trabaiadô.

Sem mais palavras, saiu em direção aos fundos do quintal onde ia tomar o seu banho rotineiro no riacho que cortava o terreno.

Todos ficaram desapontados. O tio, de rosto amarrado, saiu sem se despedir. Maria Amália chorou em silêncio.

Registro mesmo, José só veio a ter aos quatro anos. Mas o veredicto de Tomé prevaleceu. E o menino que no seu primeiro instante de vida, foi chamado de Getúlio e Getulinho, cresceu José. E de sobra recebeu também o nome de um outro tio de Tomé. Francisco. E assim ficou sendo José Francisco. José Francisco de Mello. Nome de homem, de trabalhador, como quis o seu pai.

Maria Amália, assim que se viu livre da barriga, começou a fazer planos:

—Quando o menino tiver uns três mês, eu vorto pros baies!

E todas as noites de sextas-feiras, enquanto embalava o pequenino José e ouvia o som da sanfona à distancia, ia arquitetando um jeito de voltar aos bailes. A vida ao lado de Tomé era calma, porém não era isso que Maria Amália queria. Gostava de ser paquerada, de se sentir admirada e desejada pelos homens. Sabia que era errado de sua parte, afinal era uma mulher casada. Mas a dança estava em seu sangue. Se pelo menos Tomé, lhe fizesse companhia! Mas, qual o que. Aquilo era parado demais. Nem parecia homem!

Aos pouco Maria Amália foi se reintegrando a sua vida de prazeres de finais de semanas. José ficava ora com o pai, ora com alguma vizinha prestativa. E os meses passando. Agora Tomé brigava e se aborrecia com as ausências da mulher. O menino não podia ficar quase três dias sem ser amamentado! Apesar de todos os contratempos e das brigas constantes, Maria Amália não se fazia de rogada. Os bailes para ela estavam em primeiro lugar.

Quando José completou dois anos, nova surpresa: Maria Amália estava novamente grávida. E mais uma vez ela se entristeceu e se amaldiçoou. Não queria ter outro filho para lhe atrapalhar a vida. Já bastava o estorvo do José. Prá que mais um?

Tomé de calado e tímido se tornou também um homem triste. E se já falava pouco, passou a falar menos ainda. Sofria com a rejeição da mulher pelo filho e se sentia mais triste ainda pelo outro que vinha a caminho.

E Luzia nasceu. Tomé se emocionou com a filha. Era linda e parecida com a mãe. Agora as preocupações de Tomé eram maiores. Será que Maria Amália deixaria a filha sozinha também? Afinal uma menina requer maiores cuidados.

Maria Amália logo demonstrou pela menina a mesma aversão que demonstrara por José. Para ela, os filhos eram como um castigo, pois tiravam a sua “liberdade”. A vida continuou a mesma. As crianças nos finais de semanas eram responsabilidade do pai e das vizinhas.

As reclamações e as queixas da mulher doíam fundo no coração de Tomé. E sem que ninguém suspeitasse a mágoa e a tristeza foram corroendo e enfraquecendo o seu coração até que um belo dia, ele saiu para o trabalho e lá mesmo ficou.

Alguns homens trouxeram o corpo e depositaram numa mesa na sala, com os pés prá fora, como era costume.

Mara Amália se desesperou.

—Como é que vou criá essas criança, minha Nossa Senhora?

José, nos seus cinco anos de idade não entendia direito o que estava acontecendo e se divertia vendo a casa cheia. Brincava no quintal com um galho que lhe servia de cavalo, quando alguém lhe chamou:

—Ei, menino! Venha tomar a benção ao seu pai!

José parou a brincadeira sem entender por que tomar a bênção ao pai defunto. Sabia que estava morto. Estava acostumado com a morte, que naquela época era comum entre os vizinhos. Ora uma criança, ora um adulto vítima da tuberculose. O certo é que ele sabia que o pai não responderia a sua benção, mas obedeceu. O enterro saiu e a vida deles mudou.

Se mudaram para Barra Mansa. Ali Maria Amália trabalhava como doméstica em pensões e à noite sempre trazia para casa alguma sobra de comida para saciar a fome dos filhos. A viuvez súbita e a responsabilidade maior fizeram com que se tornasse em pouco tempo uma mulher amarga. Descontava nos filhos a amargura que sentia. José era quem recebia a maior parte dos maus-tratos. Cozinhavam num fogão de lenha e José gostava de ficar olhando as fagulhas brilhantes que saíam dos galhos secos enquanto queimavam. Alguns, de vez em quando estouravam e pareciam pequenos fogos de artifícios. Numa manhã enquanto observava as chamas e luzes do fogo, José foi agredido pela mãe que além de espancá-lo, ainda o queimou com um graveto em brasa. A queimadura foi no olho esquerdo e com os gritos de dor do menino, os vizinhos acorreram e Maria Amália quase foi linchada. Felizmente a queimadura não atingiu a vista e sarou deixando apenas uma marca na pele. Luzia era tratada com mais carinho e até com um certo dengo pela mãe.

O fato do menino ser parecido com o pai fazia com que Maria Amália se revoltasse contra ele com muita facilidade. Vez por outra Maria Amália aparecia em casa com um namorado. Como residiam em um quartinho pequeno, costumava dar cachaça às crianças para poder desfrutar de uma maior liberdade com o seu homem. Certa noite trouxe para casa um velho que encontrara na estrada. Era um preto africano e andarilho de quem Maria Amália se compadeceu. Deixou que ele ficasse morando com ela e as crianças. Achava vantajosa sua companhia, pois os filhos não ficariam mais sozinhos enquanto estivesse no trabalho. O homem exigiu ser chamado de avô e passou a exercer vigilância severa sobre os dois irmãos. Maria Amália informou ao mesmo que se necessário, poderia castigar os dois. O que ela não sabia era que o homem era perverso e passou a aplicar castigos físicos tanto em José como em Luzia por coisas banais. Para castigá-los usava um arame retorcido que chamava de “bacalhau”. As surras eram constantes e eles ainda eram ameaçados:

—Se contá prá sua mãe, eu acabo cum ocês!

Algumas vizinhas penalizadas, contaram a Maria Amália o que estava acontecendo e ela mandou que o velho fosse embora. Maria Amália havia se tornado uma mulher que falava pouco, e quase sempre para reclamar da má sorte.

Aos nove anos José passou a fugir de casa e ir até a estação de trem em busca de uns trocados. Ajudava a carregar as malas dos viajantes que iam se instalar no hotel que ficava em frente. Com o dinheiro que recebia, comprava favos de mel (que nesta época era vendido em pequenos tabuleiros) e, se sobrasse algum, levava bolachas para a irmã.

Uma noite a mãe chegou em casa acompanhada de um homem. José logo o reconheceu: era o chefe da estação do trem. O homem era “preto feito pixe” e José não gostava de preto. Usava um casaco cinza e um chapéu de feltro. Dentro do bolso interno do casaco, trazia sempre uma pequena garrafa de uísque, como os atores dos filmes americanos. A mãe para despistar o filho dizia que aquele homem era seu compadre. José sabia que era mentira e ficava sempre de olho neles. Um dia o homem chegou, abriu o casaco e deu a garrafinha na mão de José. Era uma garrafinha de wisk e ele disse a José que podia beber tudo! Apesar do gosto forte, para quem já se acostumara com a cachaça, não foi difícil aceitar o wisk. Tudo isso causou uma estranha euforia no menino. Estava com menos de doze anos e já podia beber! José bebeu a metade do líquido da garrafa e dormiu como uma pedra deixando sua mãe e o homem à vontade. As visitas do homem continuaram e sempre ele levava uma garrafinha de bebida para José. Com o passar do tempo a mãe apareceu grávida. José ficou sabendo ao ouvir uns cochichos das vizinhas. Reparou então na barriga da mãe. É. Ele e Luzia ganhariam um irmãozinho ou irmãzinha. Com a gravidez a mãe trabalhava cada vez menos. José não gostava daquele homem com quem sua mãe mantinha um romance. Apesar de negro, José por ter a pele uma pouco mais clara, se julgava diferente e melhor. Era mulato e não admitia ser chamado de preto. Meses depois o novo membro da família chegou. Era um menino e tão preto quanto o pai. José olhava para aquela criança e se sentia traído pela mãe. Olhava para o irmão e pensava:

—Carvão! Fio de carvão”!

Maria Amália trabalhava pouco. Precisava cuidar do menino. Depois de algum tempo o homem deixou de aparecer e José sentiu falta da bebida. O sumiço do homem fez com que ela se revoltasse ainda mais com os filhos. As surras aumentaram de intensidade e José, já revoltado, resolveu fugir de casa. Era um menino forte e esperto, por isso não foi difícil conseguir emprego numa fazenda. Cuidava dos porcos e se alimentava do mesmo inhame que os animais comiam. Quando tinha algum tempo de folga ia até a fábrica de leite (onde entrava sem ser visto) e roubava pedaços do leite congelado. Não faltava as matinês (aos domingos) no cinema da cidade e com o primeiro pagamento recebido, ele comprou uma calça curta nova e uma camisa de “cowboy” como as do seu ídolo Lon Chaney. O tempo passava e José estava feliz. Ali na fazenda, apesar de não ter muito conforto, não apanhava e tinha liberdade para ir e vir. Já havia se passado seis meses desde a sua fuga e ele resolveu ir a uma quermesse (festa de largo) na Igrejinha da cidade. Um parque de diversões havia sido instalado e as crianças faziam festa. Ao passar correndo por entre alguns adultos, José ouviu alguém gritar:

—Óia ele ali, dona Maria! Óia lá o José!

Pronto. Estava ele de volta aos braços de sua mãe. Voltou para casa, entre abraços e beijos. Reviu a irmã Luzia que continuava calada, ou como José costumava dizer, “uma pasmaceira”. Estava com algum dinheiro no bolso e fez questão de doar a mãe. Pela primeira vez ouviu um elogio da parte dela:

—Viu, cumade como é bom, ter um fio home? Obrigada, meu fio. Deus lhe pague.

José crescia sem rumo e sem amor. O homem da estação voltou a freqüentar a casa, mas não aceitava a presença de José “que já tava virando home”. A mãe em outra opção, mandou que ele fosse morar por uns tempos em casa de um tio, em Volta Redonda. O tio Octaviano era um homem duro de coração e exigia muito de José. Ali em sua casa José aprendeu que era mesmo diferente dos primos. Todos os seus primos e primas podiam ir à escola, menos ele. Era um órfão e tinha que trabalhar. Nada de escolas ou outras regalias. José, apesar de estar já com doze anos ainda urinava na cama. Quando o tio Octaviano percebeu o que acontecia, passou a espancá-lo. Para “ensiná-lo” fazia questão de levantar durante a noite apenas para verificar se José estava molhado. Quando isso acontecia, tio Octaviano se enfurecia e arrastava José até a beira do rio que passava nos fundos da residência e o atirava dentro da água, por mais fria que a água estivesse. Depois o obrigava a dormir com a roupa encharcada.

—Tudo isso é pra ocê aprendê a sê homi!

José sofria, mas não ousava desobedecer ao tio. Aos pouco (graças aos “ensinamentos” do tio) deixou de fazer xixi na cama e como presente ganhou um par de sapatos. Estava com treze anos e era a primeira vez que colocava um sapato nos pés! José se sentia importante. O que ele ainda Ele ainda não sabia, era que os sapatos eram parte do uniforme que usaria para ir à escola. Agora José acordava cedo e ia direto para a escola. Estava contente e se sentia feliz. A única coisa ruim era a dor que sentia nos pés. Por nunca ter usado um calçado, os seus pés eram achatados e o sapato incomodava. Então, ele esperava se afastar um pouco de casa e retirava os mesmo. Amarrava os dois pelo cadarço, colocava no ombro e só os calçava quando se aproximava do colégio. As crianças que cruzavam por ele no caminho estranhavam e lhe perguntavam o motivo daquela mania. José então cheio de orgulho dizia que agia assim para não sujar e nem gastar os sapatos. Era inteligente e no primeiro ano de estudo conseguiu passar para a terceira série, no entanto a mãe precisava dele e ele precisou voltar para casa. As coisas não iam muito bem para sua mãe. O homem da estação havia sumido de novo.

José conseguiu um emprego como entregador de pão. Já de madrugada estava ele com um cesto quase do seu tamanho na cabeça, descendo uma das ladeiras da cidade em direção a um ponto distante onde o dono do armazém, nem sequer lhe agradecia. Apenas pegava o cesto lhe entregava o dinheiro do pagamento e virava as costas. José saía ainda com escuro e para chegar ao local da entrega passava por uma região onde o mato era muito espesso. Ali costumava haver assaltos e José sempre que passava por ali, ia rezando em pensamentos. Um dia, assim que acabou de descer o morro, percebeu que um homem lhe observava de dentro do mato. Fingiu não ter percebido e continuou o seu caminho, procurando andar mais rápido. O homem logo o alcançou e fez menção de lhe tirar o cesto de pão. O homem estava armado com uma faca e José se intimidou, afinal era apenas um menino de treze anos diante de um homem mal intencionado. Colocou o cesto no chão e tentou correr, mas o homem o alcançou e tentou esfaqueá-lo. Sem saber como, José conseguiu tomar a faca do homem e durante a luta que se seguiu ele esfaqueou o homem. O homem caiu parecendo não acreditar no que estava acontecendo. José viu o sangue que começava a escorrer do peito do homem, colocou novamente cesto na cabeça e correu o mais depressa que pode. O homem ainda gritou para lhe pedir ajuda, mas ele estava apavorado e só pensava em fugir dali. Chegando ao armazém, entregou o cesto e pela primeira vez deu graças a Deus pelo fato do homem não prestar atenção nele. Estava com a roupa suja de sangue e não saberia o que dizer. Saiu apressado e ao invés de voltar à padaria e entregar o dinheiro ao dono, como sempre fazia, resolveu que fugiria de novo. Só que dessa vez ele iria para longe. Iria para o Rio de Janeiro. No mesmo dia embarcou num trem com destino ao Rio de Janeiro e tratou de esquecer o incidente. Assim que chegou a Central do Brasil comprou uma camisa e um par de chinelos. Travou conhecimento com alguns meninos que vendiam doces por ali e conseguiu emprego com moradia numa casa no Méier . Era uma avenida de casas onde a senhoria fazia e vendia doces. José acordava cedo para entregar os tabuleiros de doces pela freguesia da redondeza. Sempre descalço e com pernas fortes descia e subia as ruas sem dificuldades. Ao término do serviço de entregas, sua função era lavar os tachos onde os doces eram feitos e ele se deliciava com as raspas dos mesmos. Passado alguns dias, conversou com a mulher que o havia empregado e falou sobre sua mãe, sua irmã e o irmão menor que viviam em Barra Mansa. Queria trazê-los para o Rio, mas não sabia como. A mulher então resolveu lhe ajudar: ela precisava de mais alguém para ajudá-la no serviço e a mãe dele poderia vir, trabalhar com ela e morar num dos quartos que ela alugava. José juntou dinheiro e foi em Barra Mansa para buscar a mãe, a irmã e o irmão menor. Elas vieram e ficaram morando e trabalhando na mesma casa onde José trabalhava.

Com o decorrer do tempo e depois de fazer novas amizades, José saiu dali. Foi trabalhar em obras e com o dinheiro que recebia, freqüentou uma academia de boxe onde aprendeu um pouco da luta. Gostava de fazer uso da força física que possuía e vez por outra estava se envolvendo em brigas. A bebida já fazia parte da sua vida. Bebia quantidades enormes de cachaça sem se embriagar. Isso causava certo espanto entre os colegas que não entendiam como isso era possível.

A mãe alugou um outro quarto onde foi morar com os filhos menores. José, empenhado no trabalho e nas orgias quase não a visitava. Soube que ela estava doente do pulmão e decidiu que assim que pudesse iria lhe fazer uma visita. Num domingo, acordou cedo, comprou leite, frutas e doces e se dirigiu ao local onde a mãe morava. Já fazia meses que não a via. Ela residia numa avenida de casas e assim que ele chegou ao portão foi informado por uma das moradoras que sua mãe havia morrido e já estava sepultada há dois dias. José se chocou tanto com a notícia que, ao invés de entrar para saber dos irmãos mais novos, jogou a bolsa de frutas no chão e saiu dali esmurrando todas as paredes que encontrava pela frente. A tristeza e o remorso lhe corroendo a alma e o desejo de ter agido diferente. Pobre José! Não teve a chance de ouvir dos lábios da mãe a última bênção... estava com dezoito anos e a vida precisava continuar.


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